Foi na Maternidade Escola Januário Cicco que eu passei
pro lado de cá do mundo. Ela ficava e ainda fica localizada no bairro de Petrópolis,
em Natal, no estado do Rio Grande do Norte. Apesar de dar nome a uma cidade
fluminense, Petrópolis também é um bairro de Natal. Assim, tecnicamente, eu e
grande parte da população que nascia naquela época, somos todos oriundos do
bairro de Petrópolis, pois como diz minha mae, a Januário Cicco era a maternidade
da moda.
Olhando ao redor, a Januário Cicco fica em uma excelente
localização, uma verdadeira área nobre da cidade. Está cravada no número 259 da
Nilo Peçanha, que vem a ser uma continuação da Prudente de Morais, uma das
maiores avenidas da cidade. O último suspiro da Prudente indo na direção leste
é a Praça Pedro Velho, também conhecida como Praça Cívica. Logo depois, a
Prudente se torna Nilo Peçanha, que segue num pequeno trecho que vai até a Getúlio
Vargas.
A geografia é mais ou menos essa. A Januário fica quase na
junção entre as duas maiores avenidas da cidade, que são paralelas por ofício. Como
se juntam se são paralelas? Ora, a Prudente tinha sua verruga chamada Nilo
Peçanha, como se tivesse criada somente pra encontrar com a Hermes da Fonseca. Então
a Hermes pra não perder a pose, também criou uma verruga entortada pra esquerda,
logo após o Mercado de Petropolis, chamada Coronel Joaquim Manoel. O Joaquim
Manoel só liga a Hermes e a Nilo Peçanha.
A Januário Cicco foi fundada em 19 de março de 1928 e
inaugurada em 2 de fevereiro de 1950. Meu pai, que nasceu em 1948, não nasceu
lá. Minha mãe, que nasceu em 1954, não nasceu lá. Meu irmão, que nasceu em
1978, não nasceu lá. Mas minha irmã que nasceu em 1982, nasceu lá. A
Maternidade se chamava Maternidade de Natal, e foi idealizada por Januário
Cicco, que recebeu seu nome em 1961.
Januário Cicco foi um médico norte-rio-grandense, nascido
em São José do Mipibu em 30 de abril de 1881. Formou-se na Bahia em 1906 e veio
pra Natal e construiu o Hospital de Caridade Juvino Barreto, hoje chamado Hospital
Onofre Lopes, localizado no encontro da Getulio Vargas e da Nilo Peçanha. Como
não tinha autonomia, pois o hospital era do estado, o doutor Januário Cicco
criou a Sociedade de Assistência Hospitalar com a finalidade de administrar o
hospital como serviço terceirizado. Logo fundou a Maternidade de Natal, que teve
início das obras em 1932.
No início de 1940, a Maternidade estava pronta pra
funcionar, mas o esforço de guerra, representado na capital do estado pela
construção do campo de aviação de Parnamirim, com uma base americana, fez com
que a maternidade fosse ocupada como quartel-general das forças aliadas e
hospital de campanha. Se pensarmos bem, essa foi a minha mais próxima ligação
com a guerra. Nasci num hospital que tinha sido hospital de campanha. Nada como
os heroicos bombardeios em Liverpool quando do nascimento de John Lennon, em
outubro de 1940, mas já é alguma coisa.
Com o final da Segunda Guerra Mundial e após intensa
campanha do doutor Januário Cicco, eles conseguiram recuperar o prédio,
restaurá-lo e recolocaram-no para funcionar, o que ocorreu somente em 1950. O
doutor Januário Cicco morreu em primeiro de Novembro de 1952. O doutor Onofre
Lopes passou a ser o seu sucessor na Sociedade de Assistência Hospitalar, e deu
continuidade ao sonho do seu fundador.
A maternidade é um belíssimo casarão, cujo terreno foi
doado pelo então prefeito O’Grady. O prédio tem características neoclássicas,
de elevado valor arquitetónico e histórico. Hoje em dia é uma das raras
exceções, pois permanece até hoje desenvolvendo as atividades para as quais foi
planejado.
No início do século 20, Natal tinha cerca de 20 mil
habitantes e a cidade inteira compreendia basicamente os bairros da Ribeira e
Cidade Alta, que também não são os bairros baianos, mas os potiguares. Estavam
ainda em formação os bairros do Alecrim, Tirol e o próprio Petrópolis, mas
Tirol e Petrópolis eram chamados de Cidade Nova.
Somente com a construção da ponte metálica sobre o Rio
Potengi, em 1916, é que foi instalado o assentamento de Igapó, habitado por
pescadores, roceiros e ferroviários. Existia somente um hospital e era uma bagunça,
só servia de abrigo para os pestilentos. Foi aí que entrou a figura salvadora e
esclarecida de Januário Cicco.
Quando Cicco voltou à Natal, instalou o seu consultório
na casa dos pais, na Rua Duque de Caxias, na Ribeira. Até a chegada de Cicco,
apenas dois médicos atendiam a toda a população natalense, e eles eram Segundo
Wanderley e Afonso Barata, ambos no velho hospital da cidade. Cicco veio pra
revolucionar a cidade e a sua medicina.
Ele construiu o que é hoje o Onofre Lopes em 1909, a
Maternidade em 1950, o primeiro banco de sangue e serviço de pronto socorro do
Rio Grande do Norte em 1945 e uma escola de auxiliar de enfermagem também em
1950. O centro de estudos da sociedade de assistência hospitalar que ele criou
em 1951, que foi o embrião da Faculdade de Medicina do Rio Grande do Norte. O
seu discípulo predileto, o medico Onofre Lopes, consolidou a Faculdade em 1955,
3 anos após a morte do seu mestre, Januário Cicco.
Também deu origem a um sistema de proteção à maternidade
e à infância. Januário Cicco foi o responsável pela primeira operação de cisto
de ovário em Natal. Um dos grandes políticos do estado, Aluízio Alves, certa
vez disse sobre Cicco: “Era uma força da
natureza, despertada para o bem da coletividade. Dele, pode-se dizer que morreu
de sonhar. Deve dizer-se que tombou lutando”.
Para a construção do primeiro hospital decente da cidade,
Januário Cicco convenceu o então governador Alberto Maranhão a adquirir uma
casa de veraneio no Monte Petrópolis, em 1909, para adaptá-la ao funcionamento
do Hospital de Caridade Juvino Barreto, que passou a se chamar Miguel Couto, em
1936, e somente depois de Onofre Lopes.
Januário assumiu a direção do estabelecimento, que a princípio
tinha apenas 18 leitos divididos para os pacientes do sexo masculino e
feminino, que eram atendidos exclusivamente pelo próprio Januário Cicco.
Somente em 1917 o médico Otávio Varela foi nomeado como seu ajudante.
Para viabilizar o funcionamento do hospital, o governador
José Augusto aceitou passar a administração à sociedade civil criada por Cicco,
que já citei anteriormente, a SAH, criada em 1927. No mesmo ano foi que ele
recebeu o terreno doado pelo prefeito Omar O’Grady e iniciou a luta pela
construção da maternidade. Luta essa que envolvia quermesses, bingos, rifas e
até depois da guerra, a exigência de uma indenização do governo apos a guerra,
para custear as reformas.
A inauguração da maternidade foi um dos grande
acontecimentos sociais de Natal naquela época. O Bispo de Natal, dom Marcolino
Dantas e o intelectual Luís da Camara Cascudo lideraram uma campanha para
batizar a maternidade de “Casa da Mãe Pobre”, pois era esse o apelido que
Januário Cicco gostava de chamar a maternidade. Em 12 de fevereiro de 1950,
nascia o primeiro bebê da maternidade, que recebeu o nome de Ivette. O nome foi
uma homenagem à filha que Januário Cicco teve com a pernambucana Isabel Simões.
Mãe e filha morreram em 1937. Quinze anos depois, morria do coração, o próprio
Januário, aos 71 anos.
Pois bem, se um
sujeito saísse da Januário e virasse à esquerda na Nilo Peçanha e logo depois à
direita na rua Coronel Joaquim Manoel e seguisse até a Hermes da Fonseca, que
vira Salgado Filho e logo depois vira BR-101, poderia ir até o Rio Grande do
Sul, se acaso desejasse.
Se esse mesmo sujeito decidisse sair da Januário, entrar
à esquerda e ir até a Coronel Joaquim Manoel e em vez de entrar nela à direita,
fosse nela pra esquerda, que aí já seria a Rua General Gustavo de Farias, chegaria
até o bairro da Ribeira, reduto boemio da cidade e onde se localiza também o
Iate Clube. Mas antes de chegar la e se viesse rápido, daria um salto
gigantesco na famosa ladeira de Marpas, onde se fosse macho, sentiria os
testículos esfriarem.
De fato, esse cruzamento entre Nilo Peçanha, General
Gustavo de Farias e Coronel Joaquim Manoel era mesmo confuso. Deve ser por isso
e pelas três ruas que existia lá, que era o único sinal de três tempos da
cidade, pelo que eu me lembre. Todos os outros eram normais.
Mas, se esse mesmo sujeito decidisse sair da Januário e
virar à direita na Nilo Peçanha, ele iria dar na Prudente, que iria dar na
Delegacia de Candelária. Candelária também não é a igreja carioca, é outro
bairro de Natal. Pouco depois da delegacia, a rua se acabava em umas dunas, que
separavam o bairro de Candelária de Cidade Satélite, outro bairro de Natal e
não no Distrito Federal.
Se o sujeito tomasse o caminho da Nilo e fosse seguindo
em frente, encontraria à Getúlio Vargas e logo em seguida a Ladeira do Sol, que
daria mesmo em frente ao Chaplin-Hooters. Poderia ficar ali ou continuar a
esquerda que também encontraria algo pra fazer.
A historia conta que, 49 anos depois do primeiro bebe
nascido na Januário, em 1999, eu tomaria o caminho da Nilo, Joaquim Manoel,
Hermes, Salgado Filho, BR-101, Aeroporto Augusto Severo, São Paulo, Newark,
Montréal. Por muitos anos tomei o caminho pra Ribeira e para a Praia do Meio,
mas como eu sempre gostei da direita, foi por lá que vim e continuo aqui.
Na foto, a maternidade nos dias atuais.
Na foto, a maternidade nos dias atuais.