1 - O primeiro contato
Vamos contar a trajetória do professor Fábio
Holanda dentro do Jiu-Jitsu. Nada mais justo do que começar com o primeiro
contato dele com a arte suave. Gustavo Maguinho, um amigo que treinava Futebol
de Salão com Fábio no Colégio das Neves, estava indo pro seu primeiro dia de
treino de Jiu-Jitsu na academia do professor Alexandre Bosco, no começo de
1993. A escolha de Maguinho sobre qual academia ir se deu simplesmente pois
Bosco era amigo do pai dele. Neste primeiro dia de treino por lá, convidou três
amigos do salão, George Bomba, Flávio Xingu e Fábio, para acompanhá-lo. Neste
primeiro dia, como Maguinho já estava decidido, foi o único a levar o kimono. Os
outros três foram apenas assistir e sentir como era o drama.
Ao chegarem por lá, um sujeito se aproxima e
pergunta à George: “É você que é George Bomba?”. Pouco tempo antes disso, havia
tido uma confusão na Feira de Ciências do Colégio das Neves e um sujeito havia
dado um soco no olho de George. Os caras ficaram cabreiros, achando que o cara
que perguntou o nome de George era parecido com o cara que havia dado o soco
nele. Esse cara era Adailton, que depois descobriram que realmente havia sido o
cara do soco em George e que depois se tornaria aluno de Fábio por muitos anos.
Assustou os caras e depois virou aluno. As voltas que a vida dá.
Mas, por causa de Adailton, nenhum dos três teve
motivação de fazer a inscrição na academia. Além disso, Fábio não quis ficar
porque era muito novo, tinha ainda 14 anos e não quis pegar dois ônibus pra
chegar na academia em Candelária e dois pra voltar pra Morro Branco, quando
acabasse o treino. Aconteceu que no final de 1993, os irmãos Rodrigo e
Christiano Couceiro, também alunos de Bosco, juntamente com Gustavo Maguinho,
saíram da academia de Bosco e fundaram a academia Combate Real. Já no começo de
1994, Gustavo Maguinho enfim convenceu Fábio a começar a treinar por lá. Era em
Nova Dimensão, perto de casa e bem perto da casa da sua avó Vanda.
No primeiro dia, outro amigo de Colégio das Neves,
Guilherme Vanim, já treinava por lá. Tanto ele quanto Gustavo Maguinho já eram
faixa azul. Antes de começar o treino, Guilherme chama fábio e aplica um
triangulo nele. Com o triangulo encaixado, Guilherme começou a rir e Fábio
ficou perguntando sobre o quê que ele estava rindo, e ficou mandando socos,
achando que estava levando vantagem, até adormecer dentro das pernas do amigo.
Quando acordou, todos estavam rindo e a reação que
Fábio teve foi totalmente inversa ao que se espera do senso comum. Ao invés de
ficar encabulado e intimidado e ter desistido, ele ficou apaixonado pela
eficiencia daquilo e mergulhou de cabeça apaixonado no esporte que se tornaria
a sua vida e seu ganha pão.
2 - As primeiras
competições
Duas semanas após Fábio ter começado a treinar,
houve um campeonato interno na academia Combate Real. Campeonato interno
significa dizer que somente os alunos da academia podem participar, não podendo
se inscrever atletas de outras academias. Naquela época, devido à quantidade
reduzida de atletas, Fábio com 15 anos já entrou pra lutar na categoria adulto.
A coragem foi dupla. Primeiro em lutar com tão pouco tempo de treino e segundo
em lutar já com adultos.
A primeira luta foi contra Vladimir, mais conhecido
no submundo natalense como Mancha, ainda um grande amigo até hoje, inclusive
sendo também integrante da Turma da Xiola, juntamente com os já citados Gustavo
Maguinho e Guilherme Vanim. Fábio conseguiu ganhar de Mancha.
A segunda luta foi com Marcelo Nóbrega, irmão de
Vital, tambem vitoria de Fábio. Inclusive Fábio e Vital algum tempo depois
viriam a pegar a faixa azul na mesma ocasião. A terceira luta foi contra Marco
Célio, e Fábio perdeu por pontos e acredita até hoje que foi roubado. Acredita
por acreditar, pois não tinha conhecimento das regras.
Depois da derrota, passou mais ou menos uma meia hora aos prantos, chateado
porque havia perdido, demonstrando uma paixão pelo esporte e uma vontade de
ganhar sempre, pois outro ficaria feliz com duas vitórias no primeiro
campeonato. Outro amigo de Neves e tambem Xiola, Josebias, foi quem ficou
consolando Fábio.
Um mês depois, aconteceu o campeonato estadual.
Novamente devido à falta de atletas pra encher as categorias, Fábio teve que lutar
na categoria adulto. Logo na primeira luta, contra um adversário muito mais
forte, foi pego num Armlock e orgulhoso, não quis bater. O juiz, tomando uma
atitude correta, decidiu parar o combate. Fábio se revoltou, dizendo que não
havia batido. Rodrigo Couceiro, o treinador de Fábio, veio correndo dizer que
Fábio não havia batido.
Nesse interim, Fábio, quase chorando, continuava
dizendo que não havia batido, mas sentia uma dor imensa no braço. Analisando
friamente, e o juiz precisa pensar friamente, ele estava correto. Estava apenas
preservando a integridade do atleta. Mas na hora os ânimos estavam exaltados.
João Antônio, um companheiro de treinos, que era mais conhecido pela sua
brabeza de piquinês, começa a gritar e a esculhambar o juiz, chamando-o de tudo
o que era nome e mandando ele pra tudo o que era lugar.
Começa um corre-corre, todos correm pra separar a
briga, a turma do deixa-disso e Fábio no olho do furacão, com o braço doendo e
gemendo de dor, só gritava “eu não bati, eu não bati!!!”. Quando acabou o
tumulto, foi direto pro hospital colocar uma tipóia, pois a dor estava
insuportavel.
O resultado desse tumulto foi que João Antônio
ficou impedido de praticar Jiu-Jitsu por um ano. A Federação de Jiu-Jitsu
suspendeu-o pelo desrespeito ao juiz. A solução que acharam foi treinar com
João Antônio em horários diferentes, escondidos, quando não havia risco de
ninguém da Federação aparecer por lá.
3 - A faixa azul
A conquista da faixa azul se deu em apenas cinco
meses de treino. Não, não foi amarrada no pé de uma galinha pra ele pegar e nem
por amizade com o mestre, como acontece por aí. Isso se deu por esforço e
acaso. Esforço pela quantidade de treinos que ele se dedicou e acaso porque a
vida conspirou à favor.
Como em 1994 ele havia saido do Colégio das Neves e
tinha sido aprovado no exame de admissão da Escola Técnica Federal do Rio
Grande do Norte, para começar os estudos apenas no segundo semestre daquele
ano, ficou com tempo ocioso em casa. Com esse tempo livre e com a proximidade
da academia Combate Real de sua casa, ele treinava em todos os horários
disponíveis, ou seja, três vezes por dia, praticamente morando na academia.
Nesse período, a evolução dele foi fantástica, devido à dedicação exclusiva à
arte suave.
O exame de faixa foi em agosto de 1994, um mês
antes dele completar 16 anos e com apenas cinco meses de treino, como
mencionado anteriormente. Normalmente, pela idade, deveria ter pego a faixa
amarela, mas como iria fazer aniversário um mês depois, optaram logo pela azul.
O exame de faixa naquela época era diferente, pois
o Jiu-Jitsu esportivo como conhecemos hoje, não era muito difundido e não
existiam muitas competições, com no máximo duas ou três por ano. Assim, o exame
de faixa era muito baseado em defesa pessoal, quedas de judô, posições de
Jiu-Jitsu e porrada, ou seja, o Jiu-Jitsu Tradicional. O próprio campeonato era
assim, começava em pé e podia dar porrada e chute no corpo, tapa na cara e
derrubar, mas no momento que o oponente segurava no kimono, a porrada não era
mais válida, e ficava só o jiu-jitsu de competição, no chão.
No dia desse exame, apenas duas pessoas pegaram a
faixa azul. Fabio e Vital Nóbrega. Tiveram que fazer queda um com o outro,
jiu-jitsu e porradaria. A parte da porradaria era uma faixa amarrada na faixa
de cada um e era permitido socos e chutes no corpo e no rosto apenas porrada de
mão aberta, a famosa tapa. Era complicado, pois cada vez que um oponente
tentava se afastar do outro, acabava puxando-o pra cima de si, devido a faixa
estar amarrada, não sendo possível a fuga do combate.
Na hora das porradas ainda deu pra segurar a onda,
mas Vital era mais velho e mais forte e já treinava judô há tempos e ficou
ajudando Fábio, dizendo “Dá um Osotogari agora, faz isso, faz aquilo”.
Como era tradição na época, ao passar de faixa no
Jiu-Jitsu, a cabeça de Fábio foi raspada. Como não tinha idade ainda de parecer
um vestibulando, estava mais parecido com o menor infrator da Febem, o que não
agradou a sua familia quando chegou em casa. Sua mae queria tirá-lo do
Jiu-Jitsu e precisou muito convencimento pra fazê-la mudar de idéia.
4 - O primeiro campeonato
de faixa azul
Com a chegada da faixa azul, veio também o recomeço
das aulas. Como Fábio havia saído do Colégio das Neves, estava impedido de
continuar praticando o Futebol de Salão naquele estabelecimento de ensino e
teve que procurar um novo esporte na nova escola onde estava, a ETFRN. Foi aí
que surgiu o judô em sua vida. O professor de judô da ETFRN era o professor
Fábio Romano, xará que por coincidência, também era o professor de judô do
Colégio das Neves, embora Fábio nunca tivesse treinado com ele por lá.
Assim, duas vezes por semana, logo cedo, às seis da
manhã, antes da aula, Fábio treinava judô na ETFRN. Nessa mesma época, o
professor da Combate Real, Rodrigo Couceiro, trouxe pra ministrar um seminário
na sua academia, o professor de Jiu-Jitsu do Rio de Janeiro César Guimarães,
conhecido como Casquinha. O seminário foi muito proveitoso e deu um boost
enorme nos conhecimentos de Fábio, ainda mais naquela época, que o Jiu-Jitsu em
Natal ainda era muito incipiente e bastante defasado com relação as técnicas
que já rolavam no Rio de Janeiro.
Dessa maneira, o seminário e o judô ajudaram muito
na preparação de Fábio pra primeira competição de faixa Azul, que foi
justamente o campeonato estadual. Dessa vez, Fábio já estava bem mais preparado
do que as competições anteriores, pois além do judô e das técnicas novas
apresentadas por Casquinha, os treinos de Jiu-Jitsu na Combate Real estavam
intensos.
Nesse Estadual, Fábio entrou na categoria
juntamente com Ronaldo Furacão. Ronaldo na época era o ídolo da Combate Real, o
campeão que tinham por lá, e era um cara que Fábio se espelhava muito, que
sempre foi um ídolo pra ele e que Fábio sempre aprendeu muito. A saída de
Ronaldo da academia no ano seguinte foi um baque forte não só pra Fábio, mas
para a academia como um todo.
Fabio venceu as três lutas dele de um lado da chave
e Ronaldo Furacão por sua vez venceu suas três lutas pelo outro lado da chave e
fecharam a categoria, os dois atletas da Combate Real. Como era uma tradição,
dois atletas da mesma academia nunca lutavam em público em finais e os dois
levaram o premio. Pra Fábio, a estréia em campeonatos com a faixa azul não
poderia ter sido melhor, ganhar dos três oponentes e fechar a categoria com o
cara que ele se espelhava, somente coroava os resultados da sua dedicação ao
esporte que aprendera a amar.
5 - Viagens
No ano de 1995 a Academia Combate Real mudou-se pra
Avenida Prudente de Morais, quase na esquina com a Alexandrino de Alencar.
Nesse novo ponto, a academia cresceu muito, ficou bem mais forte e foi um ano
de muitas competições.
A primeira delas foi o campeonato Norte Nordeste,
realizado em Natal, na ETFRN, com muitos atletas de outros estados, como Ceará
, Paraíba e Pernambuco. Novamente se repetiu o feito do Estadual. Fabio e
Ronaldo ganharam suas três lutas e se encontraram na final.
Além disso, a academia comecou o hábito de alugar
ônibus, sempre com patrocínio de Eduardo Flor, da Riograndense, pra viajarem
pra Fortaleza e Recife, onde o Jiu Jitsu era mais avancado e já existiam
competições maiores. A tradição dessas viagens era a famosa “Taparia”. A regra
era metade do ônibus que estavam na parte da frente ia de encontro a metade do
ônibus que estava na parte de trás e a porradaria começava, só valendo tapa de
mão aberta. Sempre acabava com um ou mais de um machucado, e na competição do
dia seguinte, tinham que lutar assim, com a lataria avariada.
Nas viagens, em vez dessas tapas criarem uma
desunião na equipe, aumentaram a camaradagem e criou uma equipe forte e unida,
com muita amizade.
Como sempre, o centro das atenções era João
Antonio, aquele que brigou com o juiz naquela competição já contada aqui.
Dentro dos ônibus, nas viagens, João Antonio era quem mais tocava o terror. Mas
teve uma ocasião, que Fabio estava na parte frente e João Antonio na parte de
tras e a turma de trás sequestrou João Antonio.
Fabio e mais quatro seguraram o pequinês. Um em um
braço, outro no outro, outro numa perna, outro em outra e Fabio com o pé no
pescoço dele e dando tapa na cara e mesmo assim ele não desistia. Diziam: “pede
pra desistir!!!” e mesmo assim ele dizia: “Desisto não, seu bando de merda!!”
Cansados de bater nele, combinaram de contar até
três e correr e deixar ele lá. Ele todo fudido, se levanta e Marcão olha pra
ele e comeca a rir. Ele pergunta: “Tá rindo de que, macaco? Lavanta pra
apanhar, porra!”.
Marcão, com aquela delicadeza que lhe é peculiar e
que o levou a ser policial do batalhão de choque da Polícia Militar, se levantou
e foi pra cima dele e deu-lhe uma tapa no pé do ouvido tão grande, que até hoje
João Antonio é empenado, com hérnia de disco. Mal lutou e mesmo quando voltou
da viagem ainda não sentia o braço.