A moça de Patu nunca casou. Até hoje. E naquela época
também nunca havia casado. Zilene Tavares Meira tinha duas irmãs. Uma era
Zileide Tavares Meira e a outra era Evandra Holanda de Oliveira. Eram as três
filhas de Gonçalo Meira e de Dona Nazinha Holanda. Evandra era a minha avó
Vanda e Zileide é outra tia muito querida, mas que até esse momento não havia
entrado nessa historia ainda.
Como não tinha uma dicção muita boa naquela idade, eu não
conseguia pronunciar o nome Zilene, então automaticamente encurtei para o som
que eu conseguia pronunciar. Assim, rebatizei-a de “N” ou “Ene”. Explicando
para os poucos observadores, são as três ultimas letras do nome dela. Hoje em
dia tem uns primos mais novos que teimam em chamá-la de “Nena”, uma coisa tao
sem lógica que eu nem tecerei comentários. Uma pessoa pode até ter dois nomes
numa mesma vida, três não dá, é impossível. Será o chacal?
Ene e as duas irmãs fazem parte daquele time de pessoas
tao doces que ficamos até com vergonha de existir perto delas. Aquele time de
pessoas que já tem o lugar garantido no céu. Já maiorzinho, minha mãe ia
trabalhar e eu ficava o dia na casa dela, sempre com muita atenção, sendo alimentado
com uma boa carne de sol com arroz de leite, brincando no quintal da casa dela,
lá em Nova Descoberta, bem perto do cemitério.
Quando eu já podia sair sozinho de bicicleta, ia sempre
lá, visitá-la e saborear do seu sorriso e de sua alegria sincera por estar me
vendo por ali. Nunca, eu repito, nunca recebi um carão de Ene, de Zileide ou de
Vovó Vanda. De minha parte digo que também nunca fiz por onde demais. Sempre as
tive na mais alta estima e nunca admiti sequer levantar a voz para nenhuma
delas. Grande parte das minhas fotos de infância tem a presença de uma das
três, constantemente.
Zileide trabalhava na Datanorte, a empresa de
processamentos de dados do Estado do Rio Grande do Norte, que meu pai fez parte
da equipe fundadora. Trabalhou a vida inteira por lá, pelo que sei, até se
aposentar. Por isso enquanto Zileide trabalhava, eu passava o dia inteiro com
Ene. Daí meu contato ter sido maior com Ene. Mas Zileide também sempre foi uma
figuraça.
Pensando bem agora, a coisa que eu acho que elas mais
gostam de fazer na vida é sorrir. Sempre com um sorrisão estampado no rosto.
Quando me encontrei com Ene agora em Salvador, pois em 2010 elas foram passar o
Natal comigo, e disseram que eu estava gordo, ela disse: “Ele está parecido com
Oliveira!”, despistando o comentário elegantemente. Oliveira era meu avô
materno.
Lá pra meados de 2001 ou 2002, Ene teve um aneurisma
cerebral e quase veio a óbito. Ficou muito mal, todos davam como fatal ou que
pelo menos ia ficar com sérias sequelas. Mas eis que a sertaneja não só não
morreu, como não teve sequela alguma. Mas digo que foi um dos momentos mais
angustiantes que tive aqui nesse Canadá. Só lembrava do sorriso e do abraço
dela.
Ah, lembrei quando ela perdia o sorriso. Quando meu
bisavô Gonçalo, o pai dela, por puro sadismo, me dava um beliscão de soldado e
não soltava mais, dessa vez ele rindo ao invés dela. Ria aquele riso de
psicopata ao me ver pular pra um lado e pro outro de dor, preso somente pela mão
forte daquele octogenário que trabalhou a vida toda no campo.
Ene chegava e acabava com a farra dele. Mas, apesar de
levar os beliscões, eu era muito burro. Todo dia caia na conversa dele e
chegava perto de novo, pois ele me dava os beliscões sem nem levantar da
cadeira de balanço em que estava sentado. Uma coisa surreal. E no dia seguinte,
ele dizia baixinho: “Vem cá!” e eu ia de novo. Ene nunca disse: “Você é burro,
hein? Porque vai pra perto dele?” Ela apenas ficava passando a mão na marca que
o beliscão deixava no meu braço.
Minha bisavó Nazinha era outro doce de criatura. Comigo.
Não sei com os outros. Era muito pequeno pra avaliar o relacionamento que ela
tinha com os outros. Eu gostava muito de
conversar com ela. Passava horas e horas.
Bem, meu bisavô Gonçalo, o pai da moça de Patu, foi a
primeira pessoa da minha família que morreu. Eu fiquei por bastante tempo
triste, apesar de não dizer nada. Lembro que ele tava doente, deu uma melhorada
e morreu. Acho que eu devia ter uns 12 anos de idade. Eu tinha ido visita-lo de
dia de bicicleta e me disseram que ele tinha morrido. Tive que voltar sozinho
de bicicleta pra casa, já de noite, com a imagem e a sensação da morte perto de
mim.
Pedalei o mais rápido que podia e cheguei logo em casa.
Nunca mais esqueço disso. Descobri ali que realmente as pessoas morriam. E se
meu pai morresse? E se minha mãe morresse? O que eu iria fazer?
Vovó Nazinha morreu quando eu já morava no Canadá, nos
anos 2000 e poucos, com quase 95 anos. Me parece que já não reconhecia ninguém
e falava como se estivesse na infância. Minha Vó Vanda (Evandra) morreu quando
eu já estava aqui também, no final de 2005, acho que Novembro. Quando vovó
Vanda morreu, passaram-se 7 dias e nós descobrimos que minha mulher estava
grávida. Minhas filhas nasceram em Junho de 2006.
Sobraram, graças a Deus, Zileide e Ene, lutando
bravamente nessa vida às vezes tao difícil. Na minha mente, só quem morreu foi
Vovô Gonçalo, pois o vi morto e sendo enterrado. Vovó Nazinha e Vovó Vanda eu
não vi, e penso que estão sentadas agora nesse momento, cada uma em uma cadeira
de balanço, dando risadas de alguma presepada feita por algum neto. Eita que privilégio
da porra ter herdado alguns genes desse povo maravilhoso.
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