Eu sempre fui um jovem muito moderado. Nos meus tempos
de estudante, nem muro eu nunca pichei, ao contrário de alguns amigos meus que,
cuja ética me impede revelar os nomes, certa vez foram delicadamente tangidos
pelo vigia do Colégio Nossa Senhora das Neves, onde fiz meu primeiro grau. Pelo
vigia e por sua arma, diga-se de passagem, que pelo visto estava com mais ciúme
do muro do que o próprio guardião.
Nunca fiz protesto algum, ao contrário também dos
amigos e convivas da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, onde fiz
meu segundo grau e recebi o honroso diploma de “Técnico em Mecânica”. Esses
“companheiros” de escola técnica viviam como se ainda estivéssemos nos períodos
duros da ditadura. Enfrentavam a polícia no corpo a corpo, paravam aulas,
protestavam contra tudo. Até mesmo as benesses realizadas na escola eram
inclusas em seus textos e manifestos carregados de fúria:
“Como podem construir um novo auditório se os banheiros
continuam sujos e a ‘gororoba’ não está sendo servida quente?”, diziam mais ou
menos assim, os discursos deles.
E impediam quem quisesse dar ou assistir qualquer
palestra na “grande mazela” da escola, o novo auditório.
Acho que a Escola Técnica Federal do Rio Grande do
Norte foi o ambiente mais canhoto que eu já estive inserido até hoje.
Tive, inclusive, como professor de frezadora
(professor?), um dos rostos mais conhecidos da gloriosa esquerda
norteriograndense. Não estou me referindo a ser conhecido por cargos ou grandes
feitos, e sim aos programas eleitorais da TV.
Estou falando do Hugo Manso, cuja história não se pode
deixar de admirar. Sua bravura e valentia em nunca ter desistido de ser
candidato deve ser lembrada com louvor. Já se candidatou a deputado (federal e
estadual), senador, vereador, vice, enfim, é um grande candidato.
Pau-pra-toda-obra, como se diz. Pelo seu esmero, acredito até que o Hugo tinha
como profissão Candidato e como hobby, professor da Escola Técnica.
Um dia faltou energia no laboratório de Mecânica e o
Hugo gritou: “Sabotagem!!! Cortaram a Luz!”
Coitado, estava sempre achando que alguém estava pronto
para fazer alguma mal para ele. Deve ter sido reflexo dos tempos duros...
O Hugo me chamava de “careca”, não sei porque. Suponho
que deva ser pelo fato dele ser cabeludo e barbudo (como não poderia deixar de
ser). Porém tenho minhas dúvidas: homenagem à Fidel, Marx ou seria mesmo
preguiça que o grande Hugo não cortava sua vasta e abundante cabelagem?
E o engraçado é que o formato de sua cabelagem emenda
com a barba. O que o faz parecer muito com um leão, pois além de tudo, o danado
ainda é meio galego. Daí, concluo, infantilmente, que provavelmente deve ser
por isso que o chamam de manso. Hugo “Leão” Manso. E por evolução, Hugo Manso,
como é conhecido em todos os programas eleitorais e também por toda a Escola
Técnica do meu tempo.
Mas deixando essa história um pouco de lado, me
encontro aqui na América do Norte (aquela América tao depreciada pelo Hugo),
esperando começar meus estudos de mestrado, e me chega a notícia que o Hugo
finalmente se elegeu. Parabéns Hugao!!! Posso até imaginar a festa que foi
dada!!! Mas, afinal, depois de tantos anos de labuta como candidato, você
finalmente se aposentou e atingiu o entediante cargo de eleito.
Sem maldade nenhuma, acredito que o Hugo era melhor
como candidato. Pois como professor, hummmm... Deixarei a palavra para alguns
convivas linha-mole como o Luís “Abelhao” Teixeira, Eldson “Bate-Bronha” Jony e
o Frankilin “Moleza” Maux, que com certeza nao me deixarao na mao.
Mas a Escola Técnica nao produziu só o Hugo. Tinha
também um certo Valdemar (nao sei se é com “V” ou com “W”, mas como “W” parece
coisa de americano, resolvi nao arriscar, para nao correr o risco de um
processo por parte do Valdemar). Esse Valdemar era o presidente do Grêmio
Estudantil da ETFRN do meu tempo.
O Valdemar tinha um apelido curioso, ele era o
“Assombroso”, devido à sua semelhança com um personagem de desenho animado que
até hoje eu nao sei quem é.
Bem, o fato é que o assombroso, digo, o Valdemar, era o
retrato do protesto.
- Olá, tudo bem Valdemar?
- Tudo bem o quê? Você nao viu o discurso do Mariz
ontem? Como pode estar tudo bem após o discurso do Mariz ontem?você é alienado?
E por aí destilava seu carretel de reclamaçoes , as do
dia e as eternas.
Até hoje quando falam em esquerda, pode ser para
indicar um endereço ou apenas para identificar o braço que foi quebrado, me
salta de repente a imagem do Valdemar sob meus olhos, como de sopetao.
Como nao poderia deixar de ser, a exemplo do Hugo, o
Valdemar entrou para o cargo de candidato. Esse de uma partido mais linha-dura,
o PSTU, cujo slogan era: Contra burguês, vote 16!” Acho que dá para se ter uma
idéia do grau de dureza da linha desse partido.
Mas vai que eu ingresso na Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, no curso de Administracao de Empresas. Administraçao era uma
ilha nao grevista dentro da universidade, para minha alegria e ódio dos outros
cursos, principalmente o de Jornalismo, que, se por acaso algum “engajado”
aluno ouvisse falar que havia uma greve nas Ilhas Maurício, já nao iam para a
aula na segunda-feira seguinte e ainda tinha uns mais afoitos que faziam até
piquete!
Um dia, eu estava assistindo uma aula de Recursos
Materiais e Patrimoniais I, durante a greve de 1998, que estava sendo ministrada
pelo ilustríssimo professor Virgílio, que por sua vez, era o atual coordenador
do curso de Administraçao. Só existia a nossa classe acesa em todo o Bloco 1 da
universidade.
De repente, entra na sala um indivíduo magro, com os
cabelos iguais ao do Gláuber Rocha, dizendo que nós éramos capitalistas, que o
curso de administraçao era isso, era aquilo, dizia que iria trancar a porta da
sala dentro de instantes e quem nao saísse nao iria sair mais e outras ameaças.
Se eu disse ninguém acredita... Era o Valdemar!!!!! Era
o Valdemar cuja carreira ascendera e ele era entao o presidente do DCE da
UFRN!!!! Daí concluí duas coisas:
1 – Valdemar estava progredindo, um dia, com muito
esmero, poderia ser um novo Hugo;
2 – O melhor que eu poderia fazer era pegar minhas
coisas e ir embora dali, pois como eu conhecia bem o assombroso, digo, o
Valdemar, ele nao ia desistir de acabar com aquela aula nunca!!!!
Fabiano Holanda,
Montréal, Novembro de 2000.
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