A UNE funcionou até 1964 num casarão cinzento, antigo clube de alemães, de
arquitetura antiga e fachada larga, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. No
dia da queda de João Goulart, o prédio ardeu em chamas e marcou o fim de um
período da vida de UNE.
Ao ser fechado por decreto mais tarde, pela já citada aqui Ley Suplicy, a
UNE se modificou e abandonou a política vinculada ao Ministério da Educação. O
Ministro que assinou a Lei 4464, de 9 de novembro de 1964, Professor Flávio de
Suplicy Lacerda, que viria a ser reitor da Universidade do Paraná, disse na
época que a UNE iria continuar a existir como organização civil. Se permanecer
assim, disse ele na época, irá dar provas da sua capacidade e autenticidade de
representação, pois irá sobreviver sem o auxílio de gordas e fáceis doações
federais.
A UNE conseguiu sobreviver sem as fartas verbas do governo Goulart. No
período do presidente João Goulart, a UNE deixou de ser um órgão de
representação estudantil e passou a ser um órgão subordinado ao governo. Em todas
as manifestações governistas, a presença da UNE era obrigatória. Seu
representante se sentava na mesa de honra e discursava apoiando Goulart.
O último presidente legal da UNE antes de revolução que depôs Goulart foi o
nosso querido e estimado José Serra. No famoso comício do dia 13 de maio de
1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, lá estava o famigerado Serra
marcando sua presença. Também se fez presente na Assembleia Geral dos
Sargentos, no dia 30 de março de 1964, no Automóvel Clube da Guanabara.
Pelas posições de Serra e da UNE de então, a entidade ficou bastante
prejudicas. Primeiro porque ao ser acoplada ao governo de João Goulart, a UNE
perdeu suas bases e os estudantes se afastaram dela, uma vez que tinha se
transformado num partido político e não mais uma entidade de classe estudantil.
E por fim e não menos importante, os militares que depuseram João Goulart não
podiam perdoar quem se sentava à mesa com ele.
Bem, a Lei Suplicy conseguiu atingir a UNE no seu aspecto legal. A lei
proibia aos órgãos de representação estudantil de fazerem qualquer
manifestação, ação ou propaganda de carater político partidário. Também previa
na lei, como já foi dito aqui, a criação de um Diretório Nacional dos
Estudantes, como forma de substituir a UNE. Menos de três anos depois, a Lei
Suplicy deixava de existir e foi substituída pelo decreto-lei 228, assinado
pelo então Ministro Moniz Aragão. E aqui, o Diretório Nacional dos Estudantes
deixava também de existir e a UNE ficava sem substituto.
Na época de sua fundação, a UNE foi principalmente uma entidade
nacionalista. A primeira vez que saiu às ruas foi pra exigir que o Brasil
entrasse na Segunda Guerra Mundial pra combater o Eixo nazifascista. Também
combateu a ditadura Vargas e ajudou a construir os grandes partidos liberais
como a UDN.
Carlos Lacerda, Alceu Amoroso Lima,
Afonso Arinos, Milton Campos, Pedro Aleixo, Sobral Pinto, do Rio de Janeiro e Jânio
Quadros e Roberto de Abreu Sodré, de São Paulo, são nomes que estiveram ligados
às campanhas estudantis como a campanha a favor da anistia pra presos
políticos, a favor do monopólio estatal do petróleo, campanha contra a Lei de
Segurança Nacional de 1950 e a campanha a favor da criação de um restaurante
universitário. Inclusive foram os estudantes da UNE que criaram a frase “O
petróleo é nosso”, que se tornou um símbolo nacional. Em 1947, mesmo quando
protestaram contra o fechamento do Partido Comunista Brasileiro, a UNE ainda
não era uma entidade de esquerda.
Os estudantes universitários do Brasil em 1968 eram apenas 213 mil, o que
era um estudante universitário pra cada 2,100 habitantes. Eram uma minoria
privilegiada dentro dos 45,68% da população brasileira que tinha entre 5 e 24
anos de idade. De acordo com o Censo de 1970, menos de 2% da população que
tinha idade entre 19 e 25 anos estava na universidade em 1968. No mesmo período, 16% dos franceses entre 19
e 25 anos estavam na universidade e 46% dos americanos.
Se formos olhar o ensino primário daquela época, 70% dos alunos
matriculados na primeira série eram reprovados ou abandonavam os estudos. Em
1955 houve 3.157.000 matrículas no primário, de onde apenas 123.647 concluíram
o curso médio, no final de 1965.
Também em 1965, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais fez uma
pesquisa pra traçar o perfil dos estudantes universitários brasileiros. Descobriram
que os pais dos universitários tem na sua maioria atividades remuneradas de
nível alto e medio. Também que a maioria possui irmãos que estudaram e que a
maioria das mães não trabalha. Que a maioria fez curso médio em escola
particulares e que apenas 8,52% deles possui pais operários. A idade média dos
que cursavam o primeiro ano da universidade era de 22,11 anos, que 44,12% deles
trabalhavam, que 62,49% recebiam ajuda financeira da família e que 27,75% das
famílias possuíam um automóvel.
Pois bem, traçado o perfil desses estudantes que lutavam contra o governo
militar, voltemos ao nosso assunto. A UNE tornou-se a vanguarda de todo o
movimento progressista nacional, uma vez que os partidos antes de 1964 não
tinham nenhuma organização, nenhum objetivo definido e nenhuma solução para o
problema brasileiro.
Os estudantes que compunham a UNE tinham acesso à cultura e pertenciam à
classe dominante. Se um estudante era preso, o país inteiro falava dele através
de jornais e de um intercâmbio entre as universidades. Quem não era estudante,
era preso e espancado e ninguém falava dele. Se dava mal mesmo.
Antes de 1964, a posição da UNE era reformista, eles tentavam consertar a
sociedade brasileira. Depois disso, passaram a querer transformar e foi aí que
começaram os conflitos. Assim, as agitações estudantis só voltaram ao cenários
brasileiro, modificadas na forma e nos objetivos, diga-se de passagem, depois
de 1966. E foram se organizando cada vez mais até a realização do 29º Congresso
da UNE, em Valinhos, perto de São Paulo, onde o eleito foi o paulista Luís
Travassos.
Na carta política da UNE de 1967, dizia-se: “Temos uma longa luta pela
frente e só agora o movimento estudantil começa a se libertar de fato dos seus
vícios de origem, da ideologia das classes dominantes que o alimentou. Essa
mudança total de política da UNE refletiu o que aconteceu de 1967 pra frente. A
UNE do interrompido 30º Congresso era então uma UNE completamente diferente das
outras. Organizaram-se de faculdade em faculdade e colocaram sempre
contingentes nas ruas pra protestar contra o governo. Com isso, conseguiu
capitalizar graves episódios, como a já citada aqui morte do estudante Edson Luís,
no Rio de Janeiro, em Março de 1968 e a invasão da Universidade de Brasília, em
Agosto de 1968.
A UNE de 1968 englobava várias tendências, entre elas, a esquerda cristã
(através da Ação Popular, que conseguiu dominá-la logo após a revolução), os
grupos marxistas-leninistas, os maoistas, os pró-castristas, e os
althusserianos, que defendiam as ideias do filósofo francês Louis Althusser,
que representava uma revisão do marxismo. Portanto, não existia uma tendência
homogénea dentro da UNE.
O velho Partido Comunista Brasileiro, que defendia uma luta através de
meios pacíficos, se confundia com as várias facções marxistas que surgiram
depois da revolução e sua expressão no meio estudantil era quase nula. Novas
correntes de formaram e na própria organização da esquerda católica também se
observava cisões.
O governo não estava muito preocupado com a UNE até que veio a morte do
estudante Edson Luís. Não só pela morte do estudante, mas também porque os
estudantes levaram para as ruas as deficiências do ensino superior no Brasil. O
presidente Costa e Silva se preocupou com o problema estudantil quando em
dezembro de 1967, através do decreto 62.024, criou a Comisso Especial para o
Ensino Superior, dirigida então pelo Coronel Carlos Meira Matos. Durante 89
dias, essa comissão estudou e colheu os dados do problema universitário
brasileiro. O resultado desse estudo foi um documento de 300 páginas que ficou
conhecido como “Relatório Meira Matos”.
Em síntese, o relatório dizia que os pontos críticos eram: 1) Falta de
liderança estudantil democrática, consciente do seu papel e pronta a
defende-lo; 2) Ausência de fiscalização de verbas e de esforços na obtenção de
novas fontes de financiamento; 3) Má remuneração dos professores, o que provoca
várias deturpações no exercício profissional; 4) Ausência de uma orientação
para atender a maior demanda anual de vagas em todos os níveis de ensino; 5) Implantação
desordenada da reforma universidade, sem objetividade e sem visão na redução
dos currículos.
O que irritou Costa e Silva foi que mesmo ele fazendo tudo isso e
depositando recursos na solução dos problemas universitários, os estudantes
continuavam com suas provocações. O que ocorreu também foi que a repressão às
manifestações estudantis deu muita divulgação ao movimento. O próprio Vladimir
Palmeira, que em 1966 não era ninguém, em 1968 era uma celebridade nacional. E
não só ele. Luís Travassos e José Dirceu também transitavam com ares de
estrelas de cinema entre os estudantes.
A discussão da UNE em 1968 era somente uma: 1) deveria o movimento
estudantil voltar-se para os problemas da universidade e através desses
problemas, denunciar o sistema e as estruturas ou 2) deveria acompanhar uma
linha política de denúncia constante a todos os atos atentatórios dos “inimigos
do povo, da ditadura e do imperialismo”.
A primeira posição era a defendida pelo grupo de Vladimir Palmeira e José
Dirceu e o seu grupo era chamado de “Luta Reivindicatória”. A segunda posição a
de Luís Travassos e Jean Marc Van Der Weig e era chamado de “Luta Política”.
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