Em Ibiúna, cidade de 5 mil
habitantes, localizada à 70 quilômetros de São Paulo, rapazes e moças se
encontravam enrolados em cobertores coloridos, no frio do começo da tarde de um
sábado de outubro de 1968.
Ao todo, eram 920 pessoas,
entre estudantes e jornalistas, todos cansados e sujos de lama, dentro de um
galpão da Cooperativa Agrícola de Coitia, para onde tinham sido levados por
centenas de soldados da Força Pública estadual, que os prendera na parte da manhã
em um sítio, no bairro de São Sebastião, à 14 quilômetros de Ibiúna. Nesse
sítio, iria ser realizado o 30º Congresso da UNE.
Os presos foram colocados em 9
ônibus, um micro-ónibus, 5 caminhões, duas kombis e uma Rural Willys. Um deles
era um jovem magro, pálido, de olheiras profundas e óculos escuros, enrolado
num cobertor de cor amarela. O rapaz tinha o olhar tenso de raiva contida. Era
o Luís Travassos, o presidente da UNE.
Travassos foi levado até o
Coronel Ivo Barsotti, que era o comandante da Operação Anti Congresso.
Travassos foi retirado do meio do grupo e levado até uma Rural, que já estava
preso lá também o José Dirceu. Com os cabelos grandes, barba por fazer e olhar
cansado, Dirceu disse a Travassos: “Dentro de um mês faremos um novo Congresso”.
Já em São Paulo, no fim da
tarde húmida e chuvosa, houve a única tentativa de resistência à prisão. De um
ônibus parado em frente ao prédio da Força Pública, na Avenida Tiradentes, o
líder estudantil Vladimir Palmeira foge pela porta de emergência e corre
descalço pela rua. Os soldados da Força logo o cercam e entram em luta
corporal. Vladimir sai com a camisa toda rasgada e é colocado dentro do prédio,
junto a Dirceu e Travassos. Agora os três maiores líderes estudantis do país
estavam presos, lado a lado. E todos os três já tinham prisão preventiva
decretada, portanto, ali iriam ser engaiolados por um bom tempo.
A descoberta do local do
Congresso da UNE pela Polícia se deu desta maneira. Na quinta-feira, dois dias
antes das prisões, o sitiante Miguel Góis, de Ibiúna, foi até o delegado Otávio
Camargo e prestou uma queixa. O que ocorreu foi que, Miguel, ao ir no sítio do
seu amigo Domingos Simões para cobrar uma dívida, por fornecimento de milho,
não pode entrar porque dois jovens armados de revolver o impediram de passar
pela cancela.
Juntamente a isso, no bairro
de Curral, à 6 quilômetros de Ibiúna, sitiantes japoneses tinham visto pelas
redondezas “muita gente jovem com jeito de cidade”. Também à 2 quilômetros de
Ibiúna, na estrada que liga esta cidade à São Paulo, um amigo do delegado, o
dentista Francisco Soares, havia encontrado, junto à árvores, panfletos sobre o
movimento estudantil.
O delegado Otávio Camargo
começou então a juntar os pontos e concluiu que o Congresso da UNE estava sendo
realizado em Ibiúna. Logo telefonou e comunicou ao DOPS suas conclusões. Na
noite da sexta para o sábado, três destacamentos da Força Pública, sendo dois
deles dirigidos pelos delegados do DOPS paulista, Paulo Buonchristiano e
Orlando Rosante e o terceiro dirigido pelo Coronel Barsotti, que era o
Comandante do 7º Batalhão da Força Pública, de Sorocaba.
Eles cercaram as três únicas
vias de acesso ao sítio de Domingos Simões e passaram a noite em claro. Na
manhã, logo cedo, foram até a fazenda. Um estudante que estava de sentinela deu
tiros para o alto ao ver os soldados, para avisar aos colegas. Os soldados
responderam com rajadas de metralhadoras, também para o ar.
Esses foram os
únicos tiros disparados durante toda a operação. Os estudantes se renderam sem
luta e a Força Pública agiu sem violência. No sítio, os policiais encontraram
uma pistola Lugger alemã, duas Berettas e uma carabina. Domingos Simões, o dono
do sítio, tinha 52 anos, era alto e louro e corretor de imoveis. Seu irmão,
Jerônimo Simões, era sócio do ex-governador Adhemar de Barros em uma fábrica de
aviões.
Os estudantes, rapazes e
moças, estavam amontoados na casa do sítio, dormindo em camas de lona ou no
chão mesmo. Como não cabiam todos na casa, foram dormir nos currais e
chiqueiros do sítio. O fato é que metade dos presos não eram estudantes e sim
militantes de partidos contrários ao governo.
Das cabeças do movimento
estudantil, apenas duas pessoas não foram presas. Catarina Meloni, pupila de
Luís Travassos e Bernardino Figueiredo, presidente do Grêmio da Faculdade de
Filosofia da USP, não foram até o Congresso, pois estavam presos até poucos
dias antes do Congresso e não puderam ir. Foi no fim das contas, uma coisa
positiva pro movimento estudantil.
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