segunda-feira, dezembro 06, 2010

A história de Roy Miller

Dando continuidade ao post "The Wealthy Barber", se faz necessário conhecer a história de Roy Miller, o barbeiro, pra entender o que aconteceu na sua vida e como ele se tornou o barbeiro rico. Roy era um cara atlético na sua juventude, brilhante, engraçado, enfim, um garoto comum que fazia o segundo grau. O sonho dele era se tornar um advogado e tinha planos de entrar na Western University, em London, Ontário. E finalmente ele começou o curso de Direito. Roy era muito ocupado. Estudava, jogava Basquete e tinha uma namorada.

No segundo ano de universidade, Roy recebeu a notícia de que seu pai havia morrido de um ataque do coração. Na tarde seguinte, ele trancou a matrícula na Universidade e voltou pra Sarnia. O pai dele, por ter um histórico de problemas no coração, somente trabalhou numa refinaria por dez anos e depois aprendeu a ser barbeiro e abriu a sua barbearia pouco tempo depois de ter parado de trabalhar na refinaria. A mãe de Roy trabalhava como empregada durante o dia e garçonete durante a noite. Os dois juntos conseguiam manter os filhos.

Roy então voltou pra casa pra ajudar a mãe, pois ele sabia que ela não poderia cuidar dela mesmo e da irmã mais nova de Roy somente com o dinheiro que ela fazia. O pai de Roy não recebeu quase nada de seguro de vida. Roy havia aprendido o ofício do pai, pois tinha sido treinado pelo pai no tempo em que fazia ainda o segundo grau.

O plano de Roy era simples. Ele voltaria pra casa, ajudaria a mãe trabalhando como barbeiro até que a sua irmã Ellen completasse o college. Depois ele iria vender o salão e terminar a universidade. Como Ellen ainda estava na grade 11, o tempo que ele esperava que isso acontecesse era de mais ou menos 6 anos.

O negócio foi que Roy teve um grande sucesso na sua barbearia, inventando inclusive um caminhão-barbearia, que lhe deu muito dinheiro. Ele gostou de ser barbeiro, de lidar com as pessoas e desistiu de se tornar advogado. Mas mesmo com o sucesso do negócio, Roy não passava disso. Tinha dinheiro pra viver, mas não conseguia sair da lama, financeiramente falando.

Então quando tinha 23 anos de idade, Roy foi visitar o homem mais rico da cidade chamado Maurice White. Como o senhor White sempre admirou Roy pela sua vontade de lutar pela sua família, o senhor White concordou em ensinar uns truques sobre finanças pro Roy.

Essa conversa que Roy teve com o senhor White mudou a vida dele. A partir daquele dia, o barbeiro que não tinha nada, começou a acumular uma linda casa na beira do lago que foi quitada, um imenso portfolio de investimento, um prédio de escritórios e um fundo de aposentadoria todo pago e planejado. Tudo isso com ganhos de um salão de barbearia.

Lógico que Roy continuou a estudar sobre investimentos, mas aquela conversa com o senhor White foi o catalisador de tudo.

quinta-feira, dezembro 02, 2010

Vale a pena ler 34: o filho mais velho de Chateubriand

Meu santo pai era um devorador de família. Ele tinha uma mania persecutória contra os três filhos, eu, Fernando e Teresa, e até contra o sobrinho Freddy, que nos anos 50 era o seu delfim. Fomos criados como escravos, que tinham de implorar a mesada da mãe. Até os 18 anos, na minha certidão de nascimento, eu era filho de pai desconhecido. Quando namorava minha mãe, a francesa Jeanne Marguerite, meu pai a engravidou, prometeu casamento, mas acabou se casando com a Maria Henriqueta Barrozo do Amaral, mãe do Fernando. Chateaubriand só me reconheceu à força, porque se não o fizesse eu teria de ir lutar na II Guerra, como cidadão francês. Nunca tive ilusão quanto ao Chateaubriand.

Arte é o meu lenitivo. Minha coleção tem 4.300 peças, das quais 3.400 já estão de posse do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, para quem deixarei o acervo. Para mim, a coleção é um programa de vida. Comecei a comprar em 1952, quando conheci o pintor Pancetti, que me presenteou com meu primeiro quadro. Eu me tornei um viciado, e do Pancetti fui pulando para os outros pintores mais salientes da época, a Djanira, o Antônio Bandeira, o Milton Dacosta. Comprei uns Guignard muito bons. Tudo com o meu salário de jovem diplomata, em suadas prestações.

Só fui convidado pra coroação da rainha Elizabeth II em 1953 porque o governo brasileiro achava que o meu pai, Assis Chateaubriand, que era membro da comitiva, precisava de "apoio lingüístico". Acabei levando, costurados no forro do sobretudo, o colar e o par de brincos com que o Getúlio presentearia a rainha. A jóia pesava 300 gramas, com dez águas-marinhas de 120 quilates e 647 brilhantes. Como tínhamos medo de despachar o colar na bagagem, pedi a minha avó para costurar a jóia, feita pela Mappin & Webb. No meio do vôo para Londres, logo começou uma conversa que se tornou azeda entre o líder da delegação, o marechal Mascarenhas de Morais, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e o Chateaubriand.

O Mascarenhas queria trasladar os ossos dos pracinhas mortos durante a II Guerra da Itália para o Brasil. O Chateaubriand dizia que era uma asneira, que era preciso manter a presença do Brasil no mundo, "na luta pela liberdade e salvação do mundo das garras dos nazistas". A coisa terminou em bate-boca. O marechal me pediu para ver o colar no avião, e o Chateaubriand me proibiu de mostrar. Já em Londres, o Mascarenhas deu um banquete às autoridades inglesas e diplomatas brasileiros. No almoço, chegou um garçom dizendo que queriam falar comigo. Era o Chateaubriand, que não foi ao almoço para chatear o marechal e foi lá me chamar. Fui e ele começou a gritar: "Não fique entre os imbecis, que seu pai está com fome!" Voltei ao marechal, que era um santo, e ele me disse: "Vai com ele, meu filho". Até hoje tenho a cadeira oficial da coroação, na qual o Chateaubriand se sentou na Catedral de Westminster.

Na recepção do Palácio Saint James, o Chateaubriand escondeu o fotógrafo Glauco Carneiro no porta-malas do Rolls-Royce e levou também a dona Aimée de Heeren, sua namorada, que não tinha convite para a recepção. Quando o arauto perguntou pelo convite dela, o Chateaubriand começou a gritar: "She forgot, she forgot!" ("Ela esqueceu, ela esqueceu!")

A batalha jurídica em torno dos Diários Associados é uma história para 100 anos. As Mil e Uma Noites são um opúsculo perto disso. A situação é tétrica. Quero reaver meus direitos patrimoniais. A única fonte razoável de dividendos dos Associados é o Estado de Minas, o maior diário de Belo Horizonte. O Jornal do Commercio, no Rio, que estava nas mãos do Paulo Cabral de Araújo, que era o presidente do Condomínio dos Diários Associados, não rendia um tostão. E o Correio Braziliense não distribuía dividendos. O condomínio sangrava as empresas rentáveis a pretexto de fazer empréstimos àquelas em dificuldades. Não desisto. É preciso acabar com essa balela cínica e farisaica do Paulo Cabral, de que quero acabar com a obra do meu pai. Quero o reconhecimento dos meus direitos patrimoniais e sucessórios. Só os vermes não se defendem. Não sou verme. Em 1962 eram 76 empresas associadas. Depois, quantas ficaram?

Tudo começou em 1960, quando Chateaubriand estava brigado com os três filhos. Ele resolveu transformar os Diários e Emissoras Associados num condomínio, doando 49% do controle acionário a 22 de seus empregados. No final dos anos 1990, os filhos tinham apenas entre 10% e 17% do controle acionário das empresas. Mesmo arruinados, os Associados ainda eram um dos dez maiores grupos de comunicação do país. O condomínio ganhou uma ação contra o governo federal. Foram 221 milhões de reais. É capaz desse dinheiro já ter virado fumaça.

Depois de sofrer um derrame em 1962, o Chateaubriand não falava nem escrevia e perdeu o controle dos Associados. Ele dizia sim a quem aparecia primeiro e emprenhava o ouvido dele. Em 1960 havia três grandes feudos nos Associados. O primeiro era o da revista O Cruzeiro, dominado pelo Leão Gondim de Oliveira, que era primo de meu pai. Já as empresas de São Paulo estavam com o Edmundo Monteiro. E todo o resto com o João Calmon, outro nome de confiança de Chateaubriand, um senador biônico, mais um de meus inimigos. Nessa época, retornei de Paris, onde servia na Unesco, para presidir o Correio Braziliense a pedido do Chateaubriand. Mas quando discordei da venda dos Laboratórios Schering, o filé mignon dos Associados, fui destituído.

Houve uma reunião do condomínio em 1962, que acabou em pancadaria. Soube que o Leão Gondim ia com o Bram, seu guarda-costas, um alemão enorme. Eles iam armados. Eu tinha um grande amigo, o ex-presidente do Banco do Brasil Carlos Cardoso, tio do presidente Fernando Henrique Cardoso, que me considerava como filho e foi comigo. Ele me deu um revólver e foi com outro. Na reunião, fui tomado de surpresa com a leitura de meu processo de expulsão do condomínio. Quando acabou a leitura, o Leão Gondim disse: "É bom mesmo a gente se livrar dessa libélula!" Eu respondi que libélula era a mãe dele, e aí o tempo fechou. Ele, que era nordestino, puxou o cinto para me bater. Peguei uma cadeira e investi contra ele. Fui apanhado pelo Bram, que dizia: "Vai embora, doutor, eu não quero bater no senhor". A reunião acabou assim. Não ousaram me expulsar do condomínio.

O Abaporu, da Tarsila do Amaral, que pertence ao argentino Eduardo Costantini, não comprei porque não tive dinheiro. Acho que não vale a pena ficar chorando sobre o leite derramado. A presença desse quadro numa coleção privada estrangeira faz lembrar que existe cultura brasileira de qualidade. É um pouco como o cemitério com os ossos dos pracinhas brasileiros do cemitério italiano de Pistóia. Está lá a presença brasileira. Outra coisa que perdi por não ter dinheiro foi já nos anos 60, o pintor Carlos Scliar me levou à casa que tinha pertencido a Mário de Andrade na Barra Funda, onde estava a irmã dele. Por 15.000 contos, na época, ela queria vender todo o recheio de obras de arte do Mário. Havia várias Tarsila na coleção, além de pinturas do francês André Lhote, que tinha sido professor da Tarsila na França. A Universidade de São Paulo acabou comprando o acervo. Outra perda mais triste é que eu tinha ficado amigo da Tarsila e, quando estava começando a ficar íntimo dela, ela teve de fazer uma operação na coluna e ficou aleijada, passou os dois últimos anos na cama. Uma vez por mês eu a visitava no apartamento em Higienópolis. Um dia, ela tinha mandado colocar todos os seus quadros num quarto contíguo ao dela. Aí eu disse para ela: olhe, Tarsila, você não prefere deixar em ativos financeiros? Ela respondeu que podia ser uma boa idéia. Aí chegou lá o marchand Baccaro e comprou tudo.

A arte brasileira tem preços menores que os da arte mexicana em função da vizinhança geográfica do México em relação ao mercado americano e, sobretudo, por causa de um muito bem-sucedido movimento especulativo em torno da pintura mexicana, que mantém os preços da Frida Kahlo lá no alto. Os mexicanos sabem se vender muito bem.

Só recebi do meu pai a primeira parte da herança em 1972, quando fiz um acordo com a minha meia-irmã Teresa. Ela, que tinha feito as pazes com o Chateaubriand, vendendo a alma ao diabo, havia ganho uma fábula de adiantamento. Teresa levou um apartamento na Paula Freitas, a Casa Amarela do Chateaubriand em São Paulo, um terreno de 5.000 metros quadrados, as pratarias e todos os Portinari do Chateaubriand. O Fernando se rendeu um ano depois. Fiquei com um apartamento em Petrópolis, um terreno no Rio que depois a Light desapropriou, a fazenda que eu tenho em São Paulo e um terreno em São Paulo que é um mico.

Levei dez anos apanhando, mas aprendi a ser fazendeiro. Quando peguei a fazenda, há 25 anos, ela produzia café e algodão, não era mecanizada e estava falida, na mão de um capataz ladrão. Depois estava com 60.000 pés de laranja, cana e abacate numa área de 350 alqueires paulistas, em Porto Ferreira.

No caso da coleção do MASP, criado por meu pai, dizem que obtida através da pressão dele sobre empresários e banqueiros. Mas, honra seja feita à memória do meu pai. Ele, como homem de visão e de mundo, coisa que não era uma característica do presidente Eurico Gaspar Dutra, tentou convencê-lo por todos os meios e modos a usar parte do superávit brasileiro ao final da II Guerra para comprar obras de arte. Era a grande oportunidade de o Brasil ter um grande museu. Mas o Dutra fez ouvidos moucos. O Chateaubriand foi em frente e começou a comprar adoidado, de uma maneira um pouco apedagógica. A maneira que o Chateaubriand usou foi a chantagem. Ou o figurão dava o quadro ou ele ia sofrer uma campanha contrária dos Diários Associados. Acontece que o rico brasileiro não tem a cultura do mecenato.

Eu comecei a minha coleção do zero e com pouco dinheiro. Que conselhos eu daria pra um colecionar iniciante? Eu compraria arte contemporânea. Se a pessoa considerar arte como um programa de vida, ela tem de estar preparada para um exercício diário de paciência. Em primeiro lugar, compraria contemporâneos por causa da possibilidade de abarcar um número maior de obras. E, depois, pela valorização que essas obras podem vir a ter, não amanhã ou depois, mas daqui a cinco ou dez anos. Aconselho também que o colecionador só compre realmente aquilo de que ele goste.

A arte é um bom negocio desde que se tenha paciência e sorte. Uma das pérolas da minha coleção, a tela Urutu, de Tarsila, comprei em 1961 em São Paulo. Ela estava jogada no fundo de um armário, num estado lamentável, na galeria da dona Carlota dos Santos, milagreira da restauração na época. O quadro voltou como se tivesse saído do ateliê da Tarsila naquele momento. Paguei 300.000 réis, em cinco vezes. O mesmo acontece com a geração pop brasileira. O Antônio Dias e o Gerchman não alcançaram as cotações que têm hoje do dia para a noite. Eles esperaram quarenta anos. Outros artistas dão um salto repentino, como a Beatriz Milhazes.

Já me livrei daquilo que eu não queria, mas prefiro não citar artistas, é deselegante. Por burrice minha, e influência do Di Cavalcanti, que era muito amigo meu e detestava arte abstrata, deixei de comprar obras importantes de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Hércules Barsotti. A porção de arte concreta na minha coleção é muito pequena. Agora, não é só ficar sentado em cima do quadro esperando o tempo passar. É preciso garimpar a coleção, ir se livrando de coisas menores para apostar naquilo que tem valor.