quarta-feira, abril 29, 2015

Viva o Canhoto Valdemar!

Eu sempre fui um jovem muito moderado. Nos meus tempos de estudante, nem muro eu nunca pichei, ao contrário de alguns amigos meus que, cuja ética me impede revelar os nomes, certa vez foram delicadamente tangidos pelo vigia do Colégio Nossa Senhora das Neves, onde fiz meu primeiro grau. Pelo vigia e por sua arma, diga-se de passagem, que pelo visto estava com mais ciúme do muro do que o próprio guardião. 

Nunca fiz protesto algum, ao contrário também dos amigos e convivas da Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte, onde fiz meu segundo grau e recebi o honroso diploma de “Técnico em Mecânica”. Esses “companheiros” de escola técnica viviam como se ainda estivéssemos nos períodos duros da ditadura. Enfrentavam a polícia no corpo a corpo, paravam aulas, protestavam contra tudo. Até mesmo as benesses realizadas na escola eram inclusas em seus textos e manifestos carregados de fúria:

“Como podem construir um novo auditório se os banheiros continuam sujos e a ‘gororoba’ não está sendo servida quente?”, diziam mais ou menos assim, os discursos deles.

E impediam quem quisesse dar ou assistir qualquer palestra na “grande mazela” da escola, o novo auditório.

Acho que a Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte foi o ambiente mais canhoto que eu já estive inserido até hoje.

Tive, inclusive, como professor de frezadora (professor?), um dos rostos mais conhecidos da gloriosa esquerda norteriograndense. Não estou me referindo a ser conhecido por cargos ou grandes feitos, e sim aos programas eleitorais da TV.

Estou falando do Hugo Manso, cuja história não se pode deixar de admirar. Sua bravura e valentia em nunca ter desistido de ser candidato deve ser lembrada com louvor. Já se candidatou a deputado (federal e estadual), senador, vereador, vice, enfim, é um grande candidato. Pau-pra-toda-obra, como se diz. Pelo seu esmero, acredito até que o Hugo tinha como profissão Candidato e como hobby, professor da Escola Técnica.

Um dia faltou energia no laboratório de Mecânica e o Hugo gritou: “Sabotagem!!! Cortaram a Luz!”

Coitado, estava sempre achando que alguém estava pronto para fazer alguma mal para ele. Deve ter sido reflexo dos tempos duros...

O Hugo me chamava de “careca”, não sei porque. Suponho que deva ser pelo fato dele ser cabeludo e barbudo (como não poderia deixar de ser). Porém tenho minhas dúvidas: homenagem à Fidel, Marx ou seria mesmo preguiça que o grande Hugo não cortava sua vasta e abundante cabelagem?

E o engraçado é que o formato de sua cabelagem emenda com a barba. O que o faz parecer muito com um leão, pois além de tudo, o danado ainda é meio galego. Daí, concluo, infantilmente, que provavelmente deve ser por isso que o chamam de manso. Hugo “Leão” Manso. E por evolução, Hugo Manso, como é conhecido em todos os programas eleitorais e também por toda a Escola Técnica do meu tempo.

Mas deixando essa história um pouco de lado, me encontro aqui na América do Norte (aquela América tao depreciada pelo Hugo), esperando começar meus estudos de mestrado, e me chega a notícia que o Hugo finalmente se elegeu. Parabéns Hugao!!! Posso até imaginar a festa que foi dada!!! Mas, afinal, depois de tantos anos de labuta como candidato, você finalmente se aposentou e atingiu o entediante cargo de eleito.

Sem maldade nenhuma, acredito que o Hugo era melhor como candidato. Pois como professor, hummmm... Deixarei a palavra para alguns convivas linha-mole como o Luís “Abelhao” Teixeira, Eldson “Bate-Bronha” Jony e o Frankilin “Moleza” Maux, que com certeza nao me deixarao na mao.

Mas a Escola Técnica nao produziu só o Hugo. Tinha também um certo Valdemar (nao sei se é com “V” ou com “W”, mas como “W” parece coisa de americano, resolvi nao arriscar, para nao correr o risco de um processo por parte do Valdemar). Esse Valdemar era o presidente do Grêmio Estudantil da ETFRN do meu tempo. 

O Valdemar tinha um apelido curioso, ele era o “Assombroso”, devido à sua semelhança com um personagem de desenho animado que até hoje eu nao sei quem é.

Bem, o fato é que o assombroso, digo, o Valdemar, era o retrato do protesto.

- Olá, tudo bem Valdemar?
- Tudo bem o quê? Você nao viu o discurso do Mariz ontem? Como pode estar tudo bem após o discurso do Mariz ontem?você é alienado?

E por aí destilava seu carretel de reclamaçoes , as do dia e as eternas.

Até hoje quando falam em esquerda, pode ser para indicar um endereço ou apenas para identificar o braço que foi quebrado, me salta de repente a imagem do Valdemar sob meus olhos, como de sopetao.

Como nao poderia deixar de ser, a exemplo do Hugo, o Valdemar entrou para o cargo de candidato. Esse de uma partido mais linha-dura, o PSTU, cujo slogan era: Contra burguês, vote 16!” Acho que dá para se ter uma idéia do grau de dureza da linha desse partido.

Mas vai que eu ingresso na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, no curso de Administracao de Empresas. Administraçao era uma ilha nao grevista dentro da universidade, para minha alegria e ódio dos outros cursos, principalmente o de Jornalismo, que, se por acaso algum “engajado” aluno ouvisse falar que havia uma greve nas Ilhas Maurício, já nao iam para a aula na segunda-feira seguinte e ainda tinha uns mais afoitos que faziam até piquete!

Um dia, eu estava assistindo uma aula de Recursos Materiais e Patrimoniais I, durante a greve de 1998, que estava sendo ministrada pelo ilustríssimo professor Virgílio, que por sua vez, era o atual coordenador do curso de Administraçao. Só existia a nossa classe acesa em todo o Bloco 1 da universidade.

De repente, entra na sala um indivíduo magro, com os cabelos iguais ao do Gláuber Rocha, dizendo que nós éramos capitalistas, que o curso de administraçao era isso, era aquilo, dizia que iria trancar a porta da sala dentro de instantes e quem nao saísse nao iria sair mais e outras ameaças.

Se eu disse ninguém acredita... Era o Valdemar!!!!! Era o Valdemar cuja carreira ascendera e ele era entao o presidente do DCE da UFRN!!!! Daí concluí duas coisas:

1 – Valdemar estava progredindo, um dia, com muito esmero, poderia ser um novo Hugo;

2 – O melhor que eu poderia fazer era pegar minhas coisas e ir embora dali, pois como eu conhecia bem o assombroso, digo, o Valdemar, ele nao ia desistir de acabar com aquela aula nunca!!!!

Fabiano Holanda, Montréal, Novembro de 2000.

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