terça-feira, março 23, 2010

Vale a pena ler 24: Poupança é fundamental

Não sei dizer se houve um ataque especulativo contra o real no final de 1997, mas o que houve com certeza foi uma crise em Hong Kong, que levou os investidores a sacar seu dinheiro da bolsa de lá. Ocorre que, com a economia globalizada, o investidor internacional é obrigado a vender ações onde elas têm mais liquidez para cobrir suas posições em outro lugar. Isso provoca queda nas bolsas do mundo inteiro. Foi por isso que as ações caíram também no Brasil. O problema é que, quando o investidor sai do país, seu dinheiro é convertido em dólar. Se esse movimento ocorre em massa, falta dólar no mercado, e pela lei da oferta e da procura, o preço do dólar sobe.

Por isso foi preciso que o governo interviesse, lançando dólares na praça, para manter a paridade da moeda brasileira diante do dólar. Por isso que, nesse sentido, foi preciso defender o real.

As bolsas brasileiras foram as que mais caíram no mundo nesse episodio. Eu tinha parceiros no exterior que estavam interessados em investir no Brasil, e eles manifestaram sua preocupação com a dimensão da queda das ações no país. Mas eu os convenci de que o crash mostrou um lado forte do Brasil. Em parte, a queda das bolsas brasileiras foi grande porque nossas ações tinham muita liquidez. Ou seja, se foram vendidas mais ações aqui, sobretudo da Telebrás, Petrobrás, Telesp e Eletrobrás, que representavam mais de 80% do mercado, é porque havia muitos interessados em comprá-las. Outro fato positivo foi a demonstração de competência do Banco Central para controlar a crise, utilizando as reservas em dólar. Nós podíamos ter sofrido um problema muito mais sério. No México houve desvalorização da moeda de 7%.

Nesse episodio, ficou a lição de que a bolsa brasileira, embora com liquidez, ainda era pequena e concentrada nessas poucas ações mais negociadas. O mercado brasileiro era muito mais nervoso do que os mercados maiores e mais estáveis. Por isso estávamos sujeitos a brutais altos e baixos. Ficou claro também que o Plano Real ainda era dependente demais do dólar, da chamada âncora cambial. Cada vez que acontecesse um problema fora do país, poderíamos ser mais facilmente afetados.

A única forma de consertar o Brasil é fazendo com que o governo, os políticos e nós todos pensemos no país que queremos para nossos filhos. Para tanto, precisamos estabelecer metas muito claras. No terreno da economia, o governo precisaria estimular o brasileiro a fazer poupança. Economizar. É esse dinheiro que vai para os fundos de investimento e dinamiza o mercado de capitais, fazendo crescer e fortalecer as empresas e as bolsas. Assim, seríamos menos vulneráveis à movimentação do capital estrangeiro. Com esse dinheiro poupado é que se fazem investimentos, e com esses investimentos é que a economia do país volta a crescer.

Uma das maneiras de se fazer uma poupança é fazer a reforma da Previdência. É preciso ir na direção da privatização do sistema previdenciário, como o Chile fez. O governo deveria estimular as pessoas a poupar pelo menos 10% do salário todo mês, de forma a fazer uma provisão para o futuro. Ao contrário do que ocorre em países desenvolvidos, no Brasil não há muita gente preocupada em separar uma parte dos seus ganhos com esse fim. Os jovens não pensam nisso. Por fim, o próprio governo, deve sempre equilibrar suas contas, e não consumir poupança.

Eu não fiquei satisfeito com a forma que o Brasil entrou no mercado globalizado. Globalização é uma coisa que devia ter duplo sentido. A globalização para os brasileiros ocorreu num sentido só. Fomos a caça e não caçadores. Num primeiro momento, a compra de empresas brasileiras por empresas globais pode ser conveniente para o consumidor, porque a curto prazo a situação melhora. As empresas que estão vindo são competitivas, a qualidade do produto melhora, o preço diminui. Mas a longo prazo teremos dificuldades. Se a economia brasileira for dominada por empresas globais, que não têm sede aqui, o poder de decisão não estará aqui. Além disso, quando você tem presença em outro país, leva junto o restante da economia. Se você está só no Brasil, tende a ficar cada vez menor.

O governo deveria estimular a formação de grandes conglomerados. O Brasil não tem grandes empresas. A meu ver, a estrutura ideal da economia hoje é formada por grandes empresas em torno das quais giram empresas pequenas e médias. A empresa que tem tamanho tem capacidade administrativa, tecnológica, comercial e preços mais baixos por causa dos ganhos de escala. E as empresas brasileiras não podem competir nesse ambiente. Todos os setores industriais e de serviços estão se concentrando.

O governo deveria favorecer a concentração de empresas em todas as áreas. Em todas. Em qualquer lugar do mundo o Pólo de Camaçari seria uma única empresa. E lá existiam mais de quarenta. Eram quarenta presidentes, quarenta diretores industriais, quarenta diretores financeiros, quarenta diretores comerciais. E com quarenta cada um deles fica numa posição comercial muito mais fraca. É preciso que as empresas brasileiras tenham tamanho e escala suficientes para enfrentar essa globalização. Entretanto, eu tenho a impressão de que o governo parece que é contra isso. Pelo menos o Cade, que é um órgão governamental e veta sistematicamente toda e qualquer reestruturação nesse sentido.

Alegam que tem medo de monopólios privados, mas eu pergunto, Ou o mercado é aberto, globalizado, ou não. Você pode ter uma única empresa brasileira em um setor e não será monopólio enquanto houver a competição com o produto importado.

Mas também não adianta ter empresas grandes se elas estão só no Brasil. Em qualquer lugar do planeta você sai do avião e vê Samsung, Hyundai, Daewoo, Goldstar, todas coreanas. Não há empresa brasileira presente assim no resto do mundo. Vamos fazer uma comparação com a Suécia, país com PIB quatro vezes menor que o do Brasil.

Podemos listar juntos uma série de empresas globais de origem sueca: Scania, Volvo, SKF, Electrolux, ABB, Astra, Ericsson. Elas estão investindo no mundo inteiro, incluindo o Brasil. Qual é a empresa brasileira que está fazendo o mesmo lá fora? Nenhuma. A Vale do Rio Doce é global? Ela exporta, tem a Inco no Canadá, mas não é. A Petrobrás é global? Também não.

As empresas brasileiras deveriam comprar empresas no exterior. Veja o caso do Bradesco, o maior banco privado do Brasil, que comprou o BCN para se defender da chegada da competição internacional. O Santander, um banco da Espanha, país que tinha economia menor que a do Brasil, veio aqui e comprou o Noroeste. E o que o Bradesco comprou lá fora? Nada. O banco pode ficar muito forte internamente, mas continua dependendo de um único mercado. As empresas brasileiras deveriam ter uma política de internacionalização. Essa é na verdade a única maneira de sobreviver no mercado global.

O Brasil tem de fixar-se em metas que eu chamo de transversais. A vantagem dessas metas é que não há quem não as apóie. Esquerda e direita, empresário e trabalhador, todos concordam que são fundamentais para o país. Uma delas é o desenvolvimento. Todo mundo está de acordo que existe o problema do desemprego. Uma das formas de diminuí-lo e de melhorar a distribuição de renda é desenvolver a economia. Talvez uns achem que para fazer isso seja preciso primeiro crescer o bolo para dividir melhor, outros queiram a distribuição logo, mas ninguém pode negar que o desenvolvimento ajuda. Temos de fixar uma meta, por exemplo, dobrar a renda per capita num certo prazo. Para fazer isso é preciso investimento, e se aprendêssemos a poupar já seria um grande passo.

A mais importante meta, na verdade, talvez seja a educação. Não há nenhuma possibilidade de o Brasil ser um país moderno, ter boa distribuição de renda, estar em desenvolvimento, se o povo não tem instrução. Resolver o problema da educação, no entanto, não é apenas dizer que ela é prioridade nacional. É preciso haver enorme mobilização de toda a sociedade em torno disso. Vamos ter de fixar uma meta de quantidade e qualidade do ensino. Temos que aumentar a média de anos que o brasileiro fica na escola, pra no mínimo, oito anos. E trabalhar para que isso aconteça.

Outra meta importante está relacionada ao civismo. Não sei como fazer isso, seria preciso um grande debate, mas o Brasil não pode continuar com as pessoas individualistas do jeito que são. Aqui ninguém está pensando na causa pública. O Brasil precisa votar melhor. Os políticos precisam ser mais competentes e responsáveis. É preciso diminuir a corrupção. A própria educação poderia ajudar a formar o espírito cívico. Mas isso só poderá acontecer com participação muito forte da sociedade. Se as associações de pais e professores fossem mais ativas, por exemplo, a educação poderia ser mais descentralizada e melhoraria. Se não desenvolvermos nossa noção de cidadania, não seremos nunca uma nação forte.
Justify Full
* Por Edson Vaz Musa, que foi o primeiro brasileiro a chegar a presidência de uma empresa multinacional, dona da Rhodia. Hoje em dia é sócio controlador da fábrica de bicicletas Caloi. Faz parte também dos conselhos administrativos da Editora Abril e da Natura.

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