quarta-feira, maio 05, 2010

Vale a pena ler 26: Sucesso é sorte

Não existe sucesso garantido nesse negócio de literatura. Fico em pânico a cada novo livro. Sempre passa pela minha cabeça a idéia de que não vou vender um exemplar sequer. Então, para me tranquilizar, compro um logo no dia do lançamento. Pelo menos assim ninguém poderá dizer que o livro não vendeu nada. Não acho que seja o detentor de uma fórmula cujos ingredientes eu possa ensinar. O fato é que meus livros agradam tanto a um cientista na Noruega como a um motorista de caminhão na África do Sul, à família real da Inglaterra ou à primeira-dama dos Estados Unidos.

Eu sei que agrado a cada um deles pois recebo milhares de cartas e telefonemas. A rainha Elizabeth II e Hillary Clinton já me disseram pessoalmente que lêem meus livros. Ambas pareciam ter gostado muito. Por isso acho que não existe fórmula. Como posso escrever um livro pensando em agradar ao mesmo tempo a um caminhoneiro, uma dona de casa do Kansas e um nobre? O que faço é seguir uma trilha imaginária de idéias que satisfaçam a minha curiosidade e emoções. O resto é sorte. Mas convenhamos que isso não explica tudo. No fundo acho que o sucesso se deve ao fato de que meus personagens são reais para mim. Eu sinto o que eles sentem.

Muito raramente em me inspiro em pessoas de carne e osso pra compor meus personagens. Eles são todos criados por mim. Têm vida própria na minha cabeça. Outro dia minha mulher, Alexandra, me surpreendeu chorando em nossa casa na Califórnia. Ela me disse: "Querido, o que foi? Fiz alguma coisa errada?" Respondi: "Não, você não tem nada com isso. É um de meus personagens que está enfrentando um problema sério e não sei como tirá-lo dessa encrenca". São de carne e osso para mim. Meus leitores também os consideram assim. Em um de meus livros, eu deixei que um garotinho morresse. Recebi cartas iradas. Alguns leitores me chamaram de assassino.

Fiquei muito tocado com aquilo tudo. Quando o livro foi adaptado para se tornar uma minissérie de televisão, decidi, para felicidade geral, que o menino sobreviveria. Meus personagens são mais reais do que eu. Às vezes sou reconhecido na rua. Mas não tanto quanto, digamos, Kirk Douglas, meu vizinho em Palm Springs. De vez em quando tomamos uns drinques e Kirk lamenta que ele não possa entrar num bar ou fazer compras sem que uma multidão se junte em torno dele. Eu posso caminhar tranquilamente entre as pessoas como se fosse um sujeito comum. Bem, pelo menos até que alguém pronuncie meu nome em voz alta. Enquanto isso não acontece, eu desfruto do melhor dos dois mundos, a fama e a invisibilidade no meio das multidões. Kirk tem uma ponta de inveja disso.

Meu personagem Jeannie, de Jeannie é um Gênio é real pra mim. Servi na Força Aérea quando era jovem e conheço muitos astronautas. Estudei a vida deles da maneira mais próxima que isso pode ser feito, que é convivendo com eles e suas esposas. Jeannie é uma fantasia, é óbvio, mas os militares ali são muito parecidos com os de verdade. Adoro esse seriado.

Já dei bola pra que os críticos diziam, depois parei. Chegaram a dizer que eu fui tão destrutivo pra literatura de cada país como Hollywood foi para os cinemas nacionais. Fazer o que? É a vida.

No Japão, muitas vezes, meus livros são o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto, o quinto e o sexto mais vendidos. Fiquei tão grato com meus leitores japoneses que aceitei uma proposta do governo daquele país para escrever uma série de livros em inglês mais simples, que para serem usados para ensinar nosso idioma a crianças e adolescentes. Fiz questão de não cobrar um tostão deles. Claro que para mim também era muito bom porque quando eles crescerem iriam comprar meus romances. Mas não, não dou bola ao que os profissionais escrevem. Já liguei muito no passado. Hoje sou eu quem os critico, e tenho até uma definição muito particular do que seja um crítico.

Um crítico é um sujeito que compra mais de um romance escrito por um mesmo autor. Ou seja, é uma pessoa que investiu seu dinheiro e tempo para voltar a um autor que ele admira. Meus críticos são, então, as pessoas que seguem comprando meus livros e que me deram o recorde de ter vendido 275 milhões de exemplares em trinta anos de carreira. Aquelas pessoas que escrevem para jornais e revistas, em cujas páginas derramam todo seu profundo conhecimento sobre todos os campos do conhecimento humano, e que por isso se sentem no direito de dizer às pessoas o que elas devem ler ou não, são arrogantes. Não me incomodam nem um pouco. Enquanto isso, eu emociono as multidões. Outro dia, uma mulher me ligou para contar que o marido, preso ao leito de morte num hospital, pediu a ela que lesse meus livros para ele sem parar, e que continuasse lendo mesmo quando ele perdesse a consciência. Duvido que um crítico tenha esse tipo de resposta dos leitores.

Talvez os americanos sejam os que mais gostam dos meus livros, mas em quase todo o mundo é a mesma coisa. No Brasil, vivi momentos tocantes. No Recife, um jovem de pouco mais de 20 anos se destacou da enorme fila que se formara numa livraria onde estava autografando meus livros. Ele veio falar comigo. Disse que os pais o chamaram Sidney por minha causa, que se tornara advogado por inspiração de um personagem de um dos meus livros e que estudava inglês para ler minhas obras no original. Mais tarde aparece uma jovem senhora com um bebê no colo, uma menina linda a quem ela dera o nome de uma personagem minha. É emocionante e indescritível. Ficamos tão emocionados, minha mulher e eu, que no dia seguinte fizemos outra sessão de autógrafos. Para ficar mais um dia com o povo no Recife tivemos de recusar os convites insistentes do presidente da República, que na época era Fernando Collor, para que o visitássemos em Brasília. Sua jovem esposa, Rosane, dizia que era minha fã.

Comecei a escrever aos 10 anos e nunca mais parei. Era algo forte dentro de mim. Por meu pai, não teria nem começado. Certa vez, escrevi um poema, botei num envelope e pedi que ele enviasse para um concurso promovido por uma revista infantil. Meu pai achou um absurdo. Muito a contragosto ele botou o envelope no correio, mas substituiu meu nome pelo de um tio. Duas semanas depois, na hora do almoço, meu tio comentou que não sabia por que diabos uma revista tinha mandado para ele um cheque de 10 dólares. Foram os primeiros 10 dólares que ganhei escrevendo. Aos 17 anos já trabalhava nos estúdios de Hollywood. Eles me pagavam 70 dólares por semana para transformar livros em roteiros. Portanto, estou nesse negócio há muitas décadas.

Quando ainda estava vestindo o uniforme da Força Aérea escrevi três musicais para a Broadway. Dirigi Cary Grant e outros astros e estrelas da época. Sou amigo de gente famosa desde muito jovem. Talvez meus críticos, por não saber como essa gente é de verdade, achem meus personagens artificiais.

Sempre fui a mesma coisa. Quando os editores me disseram, pela primeira vez, que um livro meu havia chegado à lista de best-sellers com milhares de cópias vendidas em uma semana, nem me toquei. Meus roteiros e musicais já haviam sido vistos por milhares, minhas minisséries por milhões. Há trinta anos todo livro que eu escrevo entra na lista dos best-sellers.

Não escrevo meus livros. Eu os dito para minha secretária. Posso ditar cinquenta páginas por dia, se for o caso. Por isso, poderia facilmente fazer dois a três livros por ano. Mas não faço. Escrevo um a cada dois anos para manter o padrão.
Depois ela os relê para mim e vou trabalhando nos trechos até me dar por satisfeito. Como não tenho o trabalho braçal de datilografar os textos, sinto-me leve para refazer um mesmo rascunho muitas e muitas vezes até encontrar a forma perfeita.

Também não tenho um esquema predeterminado, uma trama básica que depois vou preenchendo com personagens. Comigo se passa o contrário. Primeiro me vem à mente um personagem e a partir dele é que as ações se desenvolvem.

Não tenho nenhum livro nem mesmo parecido com o outro. O que eles têm em comum é o fato de serem livros sobre pessoas, não sobre coisas, fatos, situações, indústrias. E as pessoas, no fundo, são iguais. A revista Time escreveu certa vez que sou tão poderoso que basta dizer três palavras para que qualquer editora se comprometa a lançar um livro meu. É isso mesmo que acontece, mas não tem nada a ver com poder. Eu ligo para o meu editor e digo, por exemplo, que tenho na cabeça uma jovem e ambiciosa advogada. A partir daí ela começa a viver na minha imaginação. O fato é que os editores confiam em mim e se comprometem com o livro, fazem os adiantamentos e tocam os planos.

Se eu fizesse um livro com um pseudónimo, eu não sei se venderia. No começo acho que seria um encalhe monumental. Depois, se o livro fosse bom, acho que a propaganda boca a boca iria levá-lo à lista de best-sellers. Aliás, não existe nada mais poderoso para um autor do que a propaganda boca a boca. Não existe marketing, propaganda, capa bonita, show de televisão que faça um livro chegar a ser um best-seller.

Eu não leio best-sellers. Esse negócio é tão sério para mim que acho meio estranho ficar entrando no mundo dos outros. Leio Tom Wolfe. Li Somerset Maugham, os clássicos franceses. Há muitos anos não os releio.

Não acredito que meus personagens ensinem nada ao leitor. Meu objetivo é que meus leitores, durante as quatro ou cinco horas que levam para ler um livro, se desliguem do mundo real. Espero que eles se envolvam tanto com os personagens que esqueçam seu cotidiano e façam uma viagem por um mundo fantasioso. Meus livros são feitos para divertir.

Eu também pesquiso muito antes de escrever. Todos os restaurantes, hotéis, hospitais ou cidades que descrevo nos meus livros são exatamente como estão nas páginas. Ontem mesmo fui a Quebec, no Canadá, certificar-me de alguns detalhes da cidade que servirá de cenário para um capítulo do livro que estou escrevendo. Já fui dezenas de vezes a Quebec, mas quero ter certeza quando descrever as cores, os aromas e a arquitetura da cidade. Agências de turismo fazem excursões em que as pessoas são guiadas por locais descritos nos meus livros. Quando eu descrevo um almoço na Guatemala, tenho segurança porque almocei naquele lugar muitas vezes. Cada livro meu é precedido de centenas de entrevistas. E sou eu mesmo quem pesquiso. No fundo, o que me interessa são as pessoas com suas iniquidades, ambições, generosidades e perversões. Exatamente o que elas fazem, onde e como vivem e trabalham não me interessa tanto. E pra quem nunca leu um livro meu, comece pelo "O Outro Lado da Meia-Noite." É um espetáculo.

* Por Sidney Sheldon, escritor americano que mais vendeu livros, nascido em 1917 em Chicago, faleceu em 2007, no seu rancho, na Califórnia.

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