segunda-feira, fevereiro 13, 2012

A anatomia do movimento estudantil


José Dirceu de Oliveira nunca dormia na mesma casa todas as noites, andava sempre armado e com seguranças. Ele era o presidente da UEE, União Estadual dos Estudantes, de São Paulo. Isso era na época em que concorria a presidência da UNE, uma vez que o seu companheiro, Vladimir Palmeira, que seria o candidato natural do seu grupo, se encontrava preso e tinha ficado muito conhecido.
  
O DOPS queria prender José Dirceu antes dessa eleição da UNE, que iria ocorrer no 30º Congresso Nacional dos estudantes, marcado para o fim de Outubro de 1968. Por causa desse congresso, as lideranças estudantis ficaram mais cautelosas e suspenderam as passeatas e evitaram qualquer choque com a polícia.

Vladimir Palmeira, presidente da UME, havia sido preso em 3 de agosto, no Rio de Janeiro. A UME era a União Metropolitana dos Estudantes, do Rio de Janeiro. Franklin Martins era o seu substituto na presidência da UME enquanto Palmeira estava preso. Quando Palmeira foi preso, a sua área de atuação se dividiu em duas. Uma comandada por Martins, que era favorável a luta dos estudantes dentro das universidades e a outra linha era comandada por Marcos Antônio Nascimento, que defendia uma luta mais direta contra o governo. 

Já o presidente da UNE de então, Luís Travassos, defendia uma linha ainda mais agressiva e seu lema era: “O povo unido derruba a ditadura”. Honestino Guimarães, da Universidade de Brasília, era um dos candidatos fortes à presidência da UNE, mas também se encontrava preso junto com Palmeira. Também presa estava Catarina Meloni, também presidente da UEE juntamente com Dirceu, pois a UEE havia também se dividido em duas alas. 

Outro líder estudantil preso era Atos Magno da Costa e Silva, presidente do DCE de Minas. Atos Magno deixou em seu lugar o ex-presidente do DCE mineiro Jorge Batista, que também era forte candidato à presidente da UNE. Preso também estava Bernardino Figueiredo, presidente do Gremio da Faculdade de Filosofia da USP. Havia sido libertado pouco antes do 30º Congresso o estudante Edson Soares, um dos vice-presidentes da UNE, que tinha muito prestígio entre os estudantes, mas que aparecia menos do que Dirceu e Travassos. Esses nomes compunham a alta cúpula do movimento estudantil brasileiro em 1968. 

Com uma manobra jurídica, Vladimir Gracindo Soares Palmeira foi solto em setembro de 1968, mas ao ser solto, já haviam emitido uma outra prisão preventiva pra ele. Com isso, todas as delegacias do DOPS e regiões militares do país recebiam ordem para prende-lo novamente e encaminha-lo pra Marinha. Por causa disso, Vladimir Palmeira decidiu não concorrer a nenhum cargo de diretoria da UNE. Também porque seu rosto era muito conhecido e como a UNE era ilegal, o presidente precisava ser locomover sempre na clandestinidade. 

Fora da disputa, Vladimir Palmeira passou a apoiar a então candidatura de José Dirceu de Oliveira. Franklin Martins havia vencido a disputa com Marcos Antônio Nascimento e passou a ser o presidente do DCE da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nascimento esse que era apoiado por Luís Travassos, que era o presidente da UNE em 1968. Franklin Martins era filho do senador Mário Martins.

A linha de Travassos perdeu da linha de Palmeira no Rio. Travassos, como já foi dito, pregava a radicalização do movimento estudantil. Queriam lutar nas ruas, lutar à frente do povo contra a ditadura e o imperialismo. A luta de Palmeira pregava a luta dos estudantes dentro das universidades, para reforma-las e assim contribuir na sua luta contra o governo. 

Tudo se encaminhava pra eleição de José Dirceu no 30º Congresso da UNE, afinal restavam poucos nomes pra concorrer ao cargo. Honestino Guimarães, de Brasília, e Atos Magno da Costa e Silva, de Minas, estavam presos. Para Travassos só restava Jean Marc, da UFRJ, para concorrer com Dirceu. Edson Soares apoiava Dirceu, assim como Carlos Alberto Muniz, presidente da UME, que sucedeu Vladimir Palmeira. 

A UNE passou a se chamar Ex-UNE desde a lei 4.464, de 9 de novembro de 1964, que a considerou extinta. Para substituir a UNE, foi criado o Diretório Nacional de Estudantes. Então a UNE, já Ex-UNE, promoveu um plebiscito perguntando aos estudantes se apoiavam a Lei 4.464, também conhecida como Lei Suplicy Lacerda, nome do então ministro da Educação. Os estudantes votaram em 92,5% contrários a lei. 

Em fevereiro de 1967, o então presidente Castelo Branco decidiu revogar a lei, assinando o decreto-lei 288, extinguindo também o DNE. Com isso, os estudantes não podiam ter uma associação nacional de forma alguma. O decreto-lei 288 dizia que as associações estudantis deviam se ater a cada universidade. Mas isso não parou que a UNE continuasse se encontrando, em congressos clandestinos. 

Em junho de 1964, se encontraram no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro. Restaurante esse que foi fechado em 1968 pelo então presidente Costa e Silva. Em 1965 também se reuniram no Rio de Janeiro, elegendo o carioca Alberto Abissamara pra presidente. A reunião de 1966 foi no convento dos padres Franciscanos, em Belo Horizonte, e elegeram o mineiro Luís Moreira Guedes. Em 1967, reuniram-se no convento dos Beneditinos, em Vinhedos, São Paulo. O eleito foi o paulista Luís Travassos.

O Congresso de 1968 ia ser em Ibiúna, São Paulo, mas foi abortado antes mesmo de começar pelas forças militares. Falaremos mais em detalhes sobre esse evento um pouco mais tarde.  

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