sexta-feira, fevereiro 24, 2012

Mackenzie x USP


Era outubro de 1968. Um estudante recebeu uma ovada na cabeça. Depois vieram coquetéis Molotov, bombas, rojões e tiros. O palco da violência era a Rua Maria Antônia, no centro de São Paulo. Era uma briga entre os estudantes da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Uma situada em frente a outra.

O resultado dessa batalha foi um estudante morto, de 20 anos de idade, muitos outros estudantes feridos, os prédios das universidades destruídos, e vários carros incendiados e destruídos. A batalha envolveu 3,000 estudantes do Mackenzie e 2,500 estudantes da USP. O rapaz que morreu se chamava José Guimarães, que não fazia parte de nenhuma das duas universidade envolvidas, mas sim ainda era estudante secundarista. 

No primeiro dia, a batalha durou por aproximadamente 4 horas. Era uma quarta-feira, dia 2 de outubro. As 10 e meia da manhã, tudo começava. O tumulto começou porque os alunos do Mackenzie jogaram um ovo nos estudantes da USP que cobravam pedágio na rua pra arrecadarem dinheiro pro Congresso da UNE e outros movimentos anti-governistas.

Os alunos do Mackenzie eram comandados pelo CCC, Comando de Caça aos Comunistas, pela FAC, Frente Anti-Comunista e pela MAC, Movimento Anti-Comunista. E os alunos da USP eram comandados pela UEE, União Estadual dos Estudantes.  

Ao meio dia, a intensidade da batalha aumentou, pois chegaram os alunos do curso da tarde. A batalha só terminou quando a reitora do Mackenzie, Esther Figueiredo Ferraz, pediu um tropa de choque de 30 guardas-civis para proteger o património da escola. Quando a polícia chegou, os alunos se dispersaram. Houve então uma trégua até que no dia 3 de outubro, quinta-feira, os alunos da USP colocaram uma faixa na rua dizendo: “CCC, FAC e MAC = Repressão. Mackenzie e USP contra a ditadura”. O pessoal do Mackenzie não gostou e foi lá e arrancou a faixa. Começou novamente o tumulto igual ao do dia anterior. Dessa vez até mesmo com a presença dos guardas-civis, que protegiam o Mackenzie, a pedido da reitora.

Luís Travassos, que era o presidente da UNE e Edson Soares, que era o Vice, aliados a José Dirceu, que era o presidente da UEE, eram os comandantes da tropa dos estudantes da USP. Ao meio dia, vários estudantes do segundo grau que saiam das aulas foram pra lá pra assistir a batalha. Aproveitando-se dessa plateia, a galera da USP pedia dinheiro pra comprarem material de guerra.

Um grupo de meninas do colégio “Des Oiseaux” estava ali assistindo ao tumulto e entre elas a filha do governador de São Paulo, Roberto de Abreu Sodré. Elas ficaram ali até que um grupo de estudantes jogou pedras contra os policiais e um dos policiais sacou um revolver e atirou pro ar e um aluno agarrou-se com ele, tentando tomar a arma da mão dele. Dois outros soldados começaram a dar tiros no chão e um estudante foi ferido na perda. O nome dele era Jorge Antônio Rodrigues, estudante do terceiro ano de economia. Os estudantes tomaram inclusive um capacete de um policial e esse capacete foi usado como trofeu de guerra, pra dar moral à tropa de estudantes. Um aluno do Mackenzie também foi atingido no rosto por um rojão.

O Exercito não quis se meter, pois julgava que aquilo era apenas briga entre marginais e não manifestação politica. Quem disse isso foi o General Sílvio Correa de Andrade, Chefe do Departamento de Polícia Federal de São Paulo. Portanto, na ideia dele, o problema era da Polícia estadual.

Um carro de bombeiros com seis bombeiros chegou ao local às 13:30 pra combater os focos de incendio no prédio da USP. Estacionaram na Rua Vila Nova e começaram a apagar o fogo. José Dirceu gritava: “A violência da direta está sendo respondida pela violência organizada do povo e dos estudantes”. E concluía: “Vamos esmagar a reação”.

Pois bem, um grupo de secundaristas recolhia pedras pros alunos da USP jogarem nos alunos do Mackenzie. Então um aluno de Direito do Mackenzie chamado João Parisi Filho, halterofilista e desenhista, que tinha tido trabalhos expostos na última Bienal de São Paulo, inventa de caminhar pela Rua Vila Nova. Os estudantes da USP gritaram que ele era integrante do CCC e então cerca de 80 deles cerca o Parisi e gritam: “Linchem o canalha!!!”. O Parisi tinha um revolver, que foi tomado pelo grupo da USP. Deram uma surra no rapaz e o sequestraram pra dentro do prédio da USP, que tinha entrada tanto pela Rua Maria Antônia como também pela Rua Vila Nova. Inclusive o Parisi foi preso à noite quando o prédio da USP foi tomado pela Força Publica e levado junto com os demais pro DOPS.

De repente, um grupo de jovens pede uma ambulância. Eles carregavam um jovem de cabelos pretos, cuja camisa de linho branca estava ensopada de sangue. Era o jovem José Guimarães, que eu falei no início da história desse confronto. Estudante do Colégio Marina Cintra, ele cursava o terceiro ano ginasial, filho de mãe viúva.

O que o levou a morte foi a besteira de ajudar os alunos da USP, recolhendo pedras e entregando pra eles. Uma perua dos Diários Associados o levou para o Hospital das Clínicas, mas ele morreu à caminho do hospital. A bala foi de calibre 0.38 ou de fuzil. Havia seis ou sete pedaços de chumbo no cérebro. O tiro entrou 1 centímetro acima da orelha e saiu à altura da linha mediana da cabeça, atras, ligeiramente à esquerda. A bala fez um sentido de cima pra baixo, em sentido oblíquo. Até hoje não se sabe quem atirou.

Ao saber da morte do estudante secundarista, José Dirceu sobe num monte de tijolos, cadeiras, e paralelepípedos, que servia de barricada e faz um discurso relâmpago. Ele disse: “Não é mais possível mantermos militarmente a Faculdade. Não nos interessa continuar aqui, lutando contra o CCC, FAC e MAC, esses ninhos de gorilas. Um colega nosso foi morto. Vamos às ruas denunciar o massacre. A polícia e o exército de Sodré que fiquem defendendo a fina flor dos fascistas. Viva a UNE, abaixo à reação”.

Deu uma pausa e continuou: “Jorge, o rapaz morto, é um segundo Edson Luís! (o secundarista que morreu no Restaurante Calabouço, que trato no começo desse capítulo) Vamos às ruas!!!”. Com essa oratória, Dirceu coloca todo mundo em posição de passeata. Dirceu errava o nome do rapaz, que na verdade era João, mas que naquela hora ninguém sabia ao certo.

Os estudantes ganharam a cidade em minutos, cerca de 800 deles. O primeiro ato foi quebrar por inteiro um Aero Willys da prefeitura de São Paulo. Não sobrou nada do veículo. Em seguida, viraram e tocaram fogo num Volkswagen da Policia. Depois foi a vez de um Aero Willys da Força Pública de São Paulo.

Aproveitando as chamas dos carros queimando, José Dirceu e Edson Soares fizeram outro discurso. Novamente falavam do companheiro morto e ofereceram solidariedade aos bancários, que em greve, resistiam à opressão. As meninas, aproveitando os automóveis parados, novamente pediam dinheiro pra resistência à opressão, ao mesmo tempo em que avisavam aos passageiros dos carros da morte do colega.

Minutos depois desse discurso, tocaram fogo em outro Volkswagen da Policia e um Rural Willys, também da Polícia era depredado. Na Praça da Sé, um outro Rural Willys, dessa vez da Polícia Federal, também foi depredado. A passeata então dirigiu-se pro Largo de São Francisco, onde fica a Faculdade de Direito, que recebeu paus e pedras. Ali, José Dirceu fez novo discurso. Dali, os estudantes foram pra Praça das Bandeiras, onde surgiu um caminhão com doze homens da Força Pública. Os estudantes fugiram e seis jornalistas foram presos.

De volta à Rua Maria Antônia, cerca das 18:30, Luís Travassos, presidente da UNE, entrou na USP dizendo: “É preciso desmobilizar isso aqui. Daqui a pouco não temos mais munição. O prédio pode ser invadido, vai ser um massacre”. Lá penas 20:30 José Dirceu reaparece, com uma camisa toda suja de sangue. Dirceu sobe então em uma janela e cercado de fotógrafos e cinegrafistas, faz um gesto dramático. Disse ele, mostrando a camisa ensanguentada: “Colegas, essa camisa é do nosso colega morto pela repressão. Vamos todos pra Cidade Universitária. Haverá assembleia.

Foi então que de fato começou a chegar a repressão. Da Força Pública vieram 240 soldados, cem soldados da Polícia Montada, dois tanques de guerra e 50 cães adestrados. O Mackenzie foi ocupado sem problemas. A USP também foi ocupada. Os alunos e professores estavam trancados numa sala pra redigir um manifesto sobre os últimos acontecimentos. Os estudantes do Mackenzie cantavam o Hino Nacional. Enquanto isso, o diretor da Faculdade de Filosofia da USP, professor Eurípedes Simões de Paula,  decidia que naquele local não seria possível terminar o ano e se mudaram então pra Cidade Universitária. Com isso, o domínio da Rua Maria Antônia passava a ser completo do Mackenzie.

Na sexta-feira, dia 4 de outubro, cerca d 4 mil pessoas se uniram pra fazer uma passeata que durou cerca de 1 hora no período da tarde. Passeata essa em sinal de protesto pela morte do estudante secundarista José Guimarães. A União das Mães de São Paulo, que apoiou a passeata, pediu que os estudantes fizessem um protesto pacífico. Os estudantes responderam que nada iam fazer de pacífico, que na verdade o que pensavam era: “O povo armado derruba a ditadura!!”

As mães então disseram que retiraram o apoio caso a passeata fosse violenta. Mas não houve paz. Os estudantes quebraram as vidraças do Citibank, outros carros foram virados e queimados. As 20 horas, longe dali, e com a passeata já dispersa, uma perua da Força Publica foi atacada e destruída. José Guimarães foi enterrado no Cemitério do Araçá, as 13 horas da sexta-feira, dia 4 de outubro.

Nenhum comentário: