terça-feira, fevereiro 28, 2012

A história da UNE


A UNE funcionou até 1964 num casarão cinzento, antigo clube de alemães, de arquitetura antiga e fachada larga, na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro. No dia da queda de João Goulart, o prédio ardeu em chamas e marcou o fim de um período da vida de UNE.

Ao ser fechado por decreto mais tarde, pela já citada aqui Ley Suplicy, a UNE se modificou e abandonou a política vinculada ao Ministério da Educação. O Ministro que assinou a Lei 4464, de 9 de novembro de 1964, Professor Flávio de Suplicy Lacerda, que viria a ser reitor da Universidade do Paraná, disse na época que a UNE iria continuar a existir como organização civil. Se permanecer assim, disse ele na época, irá dar provas da sua capacidade e autenticidade de representação, pois irá sobreviver sem o auxílio de gordas e fáceis doações federais.

A UNE conseguiu sobreviver sem as fartas verbas do governo Goulart. No período do presidente João Goulart, a UNE deixou de ser um órgão de representação estudantil e passou a ser um órgão subordinado ao governo. Em todas as manifestações governistas, a presença da UNE era obrigatória. Seu representante se sentava na mesa de honra e discursava apoiando Goulart.

O último presidente legal da UNE antes de revolução que depôs Goulart foi o nosso querido e estimado José Serra. No famoso comício do dia 13 de maio de 1964, na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, lá estava o famigerado Serra marcando sua presença. Também se fez presente na Assembleia Geral dos Sargentos, no dia 30 de março de 1964, no Automóvel Clube da Guanabara.

Pelas posições de Serra e da UNE de então, a entidade ficou bastante prejudicas. Primeiro porque ao ser acoplada ao governo de João Goulart, a UNE perdeu suas bases e os estudantes se afastaram dela, uma vez que tinha se transformado num partido político e não mais uma entidade de classe estudantil. E por fim e não menos importante, os militares que depuseram João Goulart não podiam perdoar quem se sentava à mesa com ele.

Bem, a Lei Suplicy conseguiu atingir a UNE no seu aspecto legal. A lei proibia aos órgãos de representação estudantil de fazerem qualquer manifestação, ação ou propaganda de carater político partidário. Também previa na lei, como já foi dito aqui, a criação de um Diretório Nacional dos Estudantes, como forma de substituir a UNE. Menos de três anos depois, a Lei Suplicy deixava de existir e foi substituída pelo decreto-lei 228, assinado pelo então Ministro Moniz Aragão. E aqui, o Diretório Nacional dos Estudantes deixava também de existir e a UNE ficava sem substituto.

Na época de sua fundação, a UNE foi principalmente uma entidade nacionalista. A primeira vez que saiu às ruas foi pra exigir que o Brasil entrasse na Segunda Guerra Mundial pra combater o Eixo nazifascista. Também combateu a ditadura Vargas e ajudou a construir os grandes partidos liberais como a UDN.

Carlos Lacerda, Alceu Amoroso Lima, Afonso Arinos, Milton Campos, Pedro Aleixo, Sobral Pinto, do Rio de Janeiro e Jânio Quadros e Roberto de Abreu Sodré, de São Paulo, são nomes que estiveram ligados às campanhas estudantis como a campanha a favor da anistia pra presos políticos, a favor do monopólio estatal do petróleo, campanha contra a Lei de Segurança Nacional de 1950 e a campanha a favor da criação de um restaurante universitário. Inclusive foram os estudantes da UNE que criaram a frase “O petróleo é nosso”, que se tornou um símbolo nacional. Em 1947, mesmo quando protestaram contra o fechamento do Partido Comunista Brasileiro, a UNE ainda não era uma entidade de esquerda.

Os estudantes universitários do Brasil em 1968 eram apenas 213 mil, o que era um estudante universitário pra cada 2,100 habitantes. Eram uma minoria privilegiada dentro dos 45,68% da população brasileira que tinha entre 5 e 24 anos de idade. De acordo com o Censo de 1970, menos de 2% da população que tinha idade entre 19 e 25 anos estava na universidade em 1968.  No mesmo período, 16% dos franceses entre 19 e 25 anos estavam na universidade e 46% dos americanos.

Se formos olhar o ensino primário daquela época, 70% dos alunos matriculados na primeira série eram reprovados ou abandonavam os estudos. Em 1955 houve 3.157.000 matrículas no primário, de onde apenas 123.647 concluíram o curso médio, no final de 1965.

Também em 1965, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais fez uma pesquisa pra traçar o perfil dos estudantes universitários brasileiros. Descobriram que os pais dos universitários tem na sua maioria atividades remuneradas de nível alto e medio. Também que a maioria possui irmãos que estudaram e que a maioria das mães não trabalha. Que a maioria fez curso médio em escola particulares e que apenas 8,52% deles possui pais operários. A idade média dos que cursavam o primeiro ano da universidade era de 22,11 anos, que 44,12% deles trabalhavam, que 62,49% recebiam ajuda financeira da família e que 27,75% das famílias possuíam um automóvel.

Pois bem, traçado o perfil desses estudantes que lutavam contra o governo militar, voltemos ao nosso assunto. A UNE tornou-se a vanguarda de todo o movimento progressista nacional, uma vez que os partidos antes de 1964 não tinham nenhuma organização, nenhum objetivo definido e nenhuma solução para o problema brasileiro.
Os estudantes que compunham a UNE tinham acesso à cultura e pertenciam à classe dominante. Se um estudante era preso, o país inteiro falava dele através de jornais e de um intercâmbio entre as universidades. Quem não era estudante, era preso e espancado e ninguém falava dele. Se dava mal mesmo.

Antes de 1964, a posição da UNE era reformista, eles tentavam consertar a sociedade brasileira. Depois disso, passaram a querer transformar e foi aí que começaram os conflitos. Assim, as agitações estudantis só voltaram ao cenários brasileiro, modificadas na forma e nos objetivos, diga-se de passagem, depois de 1966. E foram se organizando cada vez mais até a realização do 29º Congresso da UNE, em Valinhos, perto de São Paulo, onde o eleito foi o paulista Luís Travassos.

Na carta política da UNE de 1967, dizia-se: “Temos uma longa luta pela frente e só agora o movimento estudantil começa a se libertar de fato dos seus vícios de origem, da ideologia das classes dominantes que o alimentou. Essa mudança total de política da UNE refletiu o que aconteceu de 1967 pra frente. A UNE do interrompido 30º Congresso era então uma UNE completamente diferente das outras. Organizaram-se de faculdade em faculdade e colocaram sempre contingentes nas ruas pra protestar contra o governo. Com isso, conseguiu capitalizar graves episódios, como a já citada aqui morte do estudante Edson Luís, no Rio de Janeiro, em Março de 1968 e a invasão da Universidade de Brasília, em Agosto de 1968.

A UNE de 1968 englobava várias tendências, entre elas, a esquerda cristã (através da Ação Popular, que conseguiu dominá-la logo após a revolução), os grupos marxistas-leninistas, os maoistas, os pró-castristas, e os althusserianos, que defendiam as ideias do filósofo francês Louis Althusser, que representava uma revisão do marxismo. Portanto, não existia uma tendência homogénea dentro da UNE.

O velho Partido Comunista Brasileiro, que defendia uma luta através de meios pacíficos, se confundia com as várias facções marxistas que surgiram depois da revolução e sua expressão no meio estudantil era quase nula. Novas correntes de formaram e na própria organização da esquerda católica também se observava cisões.

O governo não estava muito preocupado com a UNE até que veio a morte do estudante Edson Luís. Não só pela morte do estudante, mas também porque os estudantes levaram para as ruas as deficiências do ensino superior no Brasil. O presidente Costa e Silva se preocupou com o problema estudantil quando em dezembro de 1967, através do decreto 62.024, criou a Comisso Especial para o Ensino Superior, dirigida então pelo Coronel Carlos Meira Matos. Durante 89 dias, essa comissão estudou e colheu os dados do problema universitário brasileiro. O resultado desse estudo foi um documento de 300 páginas que ficou conhecido como “Relatório Meira Matos”.

Em síntese, o relatório dizia que os pontos críticos eram: 1) Falta de liderança estudantil democrática, consciente do seu papel e pronta a defende-lo; 2) Ausência de fiscalização de verbas e de esforços na obtenção de novas fontes de financiamento; 3) Má remuneração dos professores, o que provoca várias deturpações no exercício profissional; 4) Ausência de uma orientação para atender a maior demanda anual de vagas em todos os níveis de ensino; 5) Implantação desordenada da reforma universidade, sem objetividade e sem visão na redução dos currículos.

O que irritou Costa e Silva foi que mesmo ele fazendo tudo isso e depositando recursos na solução dos problemas universitários, os estudantes continuavam com suas provocações. O que ocorreu também foi que a repressão às manifestações estudantis deu muita divulgação ao movimento. O próprio Vladimir Palmeira, que em 1966 não era ninguém, em 1968 era uma celebridade nacional. E não só ele. Luís Travassos e José Dirceu também transitavam com ares de estrelas de cinema entre os estudantes.

A discussão da UNE em 1968 era somente uma: 1) deveria o movimento estudantil voltar-se para os problemas da universidade e através desses problemas, denunciar o sistema e as estruturas ou 2) deveria acompanhar uma linha política de denúncia constante a todos os atos atentatórios dos “inimigos do povo, da ditadura e do imperialismo”.

A primeira posição era a defendida pelo grupo de Vladimir Palmeira e José Dirceu e o seu grupo era chamado de “Luta Reivindicatória”. A segunda posição a de Luís Travassos e Jean Marc Van Der Weig e era chamado de “Luta Política”.

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