domingo, setembro 19, 2010

Vale a pena ler 32: Especular é preciso

Os especuladores em geral nunca tiveram boa imagem no mercado financeiro, e os especuladores com moedas sempre foram considerados os piores da espécie. São chamados de indivíduos apátridas, gananciosos, irresponsáveis. A essa imagem era oposta outra: a dos dirigentes dos bancos centrais, os bonzinhos patrióticos, responsáveis, respeitáveis, lutando bravamente pelo valor adequado de suas moedas.

Quando se vê o mercado de moedas com mais realismo, no entanto, esses estereótipos caem por terra. Os supostos malvados, os especuladores, são geralmente diretores financeiros de empresas, banqueiros, financistas, e mesmo dirigentes de instituições nacionais que agem motivados pelos melhores interesses de suas empresas, bancos ou nações e não por interesse pessoal. Hoje esses cidadãos compram ou vendem moedas para se antecipar a valorizações ou desvalorizações cujas tendências estão visíveis para quem sabe interpretar os sinais do mercado.

Antes, o mercado financeiro internacional vivia a mercê dos ministros das finanças das grandes nações. Hoje, as nações estão à mercê dos mercados financeiros, dos banqueiros e dos tesoureiros das multinacionais. Sim, é verdade. Houve uma mudança de 180 graus. Mas veja. Hoje, um dirigente financeiro recebe informações, por exemplo, sobre a inflação em certa moeda. Ele faz, então, algumas chamadas telefônicas, aperta alguns botões de seus computadores e dispara decisões que afetam o preço daquela moeda. Quando muitas decisões do mesmo tipo são tomadas, elas acabam forçando a mudança no preço da moeda, substituindo, na prática, o que os ministros das Finanças faziam no passado. Mas e daí? É fácil culpar um estereótipo (os especuladores) pela instabilidade das moedas. Mas qual é a causa verdadeira? Não é, no caso, a política governamental responsável pela inflação? Mais ainda: ao estudar casos como esse sempre se descobre que os especuladores são os que estão dizendo a verdade sobre o valor da moeda. Sistematicamente, é o governo e o dirigente do banco central que têm motivos políticos para ignorar a realidade. Nos dias de hoje, o valor de uma moeda, assim como qualquer outro valor, não pode ser determinado na clausura de uma sala de reuniões.

A queda da moeda da Malásia no final dos anos 1990, por exemplo, pode ser atribuída a muitos fatores. Os especuladores têm pouco a ver com o problema. Um dos fatores principais foi o fato de os bancos do país terem tomado muitos empréstimos dos EUA e do Japão a juros baixos e os terem usado para financiar uma intensa atividade de construção civil, prédios, arranha-céus, aeroportos a taxas de juro muito altas.

Os que tomaram o dinheiro emprestado, que ficaram com enormes dívidas em dólar, é que se lançaram a vender a moeda do país e a comprar dólares freneticamente, para se proteger, quando sentiram a fraqueza da moeda local. Portanto, é completamente errado culpar os especuladores nesse caso. E, em geral, também não é verdade. Ao contrário: são os especuladores, no seu movimento permanente de comprar e vender moedas, o tempo todo, milhares de vezes pelo mundo, que criam a liquidez necessária para o bom funcionamento do mercado monetário internacional.

Reservas em dólar permitem que se impeça uma mudança brusca no preço da moeda e uma fuga de dólares do país motivada por uma grande venda de moeda local, seja essa venda decorrente de uma negociação comercial qualquer, seja essa venda de caráter especulativo. Um banco central deve ser capaz de amortecer as flutuações monetárias mais selvagens. Mas isso nada tem a ver com a proposta de banir a especulação.

Quanto a criar um mecanismo internacional, eu não acho que seja necessário. Os dirigentes do banco central americano estão em contato permanente com os dos bancos centrais alemão, japonês, brasileiro... É claro que todos esses bancos são independentes uns dos outros, as conversações são informais. Deveria haver um mecanismo formal? Não creio. As nações são independentes. Cada uma tem suas próprias motivações.

Diziam que o mercado futuro teve participação direta na quebra da bolsa de New York em 1987. De início, o mercado futuro de moedas foi escolhido como bode expiatório da crise. Cerca de noventa estudos feitos após aquela quebra incluindo o do Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA), no entanto, chegaram à conclusão oposta: a de que nosso mercado tinha contribuído para evitar que o crash tivesse sido pior, porque abriu válvulas de escape para a especulação, para os negócios futuros. Eu diria que, hoje, como regra, quanto mais a estrutura financeira de uma nação se desenvolve, mais a especulação é bem-vinda.

Muita coisa mudou desde a quebra de 1987. Foram criados alguns sistemas de suspensão temporária de vendas de ações na Bolsa de Nova York e de vendas de contratos futuros de ações aqui na CME. O Fed aumentou o número de horas de atendimento para garantir a liquidez aos bancos em situações de crise. Os grandes bancos internacionais, que são os garantidores em última instância dos contratos na CME, também aumentaram o colchão de liquidez para essas emergências. Neste crash de 1997, embora uma fortuna muito maior tivesse trocado de mãos, pois foram 2,5 bilhões em 1987 e 3,7 bilhões em 1997, tudo se fez em calma. Eu fiquei em casa e dormi tranquilo.

Estou operando no mercado futuro. Faço isso quase todos os dias, mesmo quando viajo. Já operei o mercado da ante-sala de gabinetes ministeriais. Além de sexo, é a única coisa que me diverte. O resto é meio enfadonho...

Dizem que os riscos acumulativos dos instrumentos financeiros podem criar um risco sistémico no sistema económico mundial e que isso pode colocar em xeque a própria sobrevivência da civilização ocidental. Bem, isso não é algo que eu ignore. Não sei que tipos de efeitos cumulativos podem ter se desenvolvido, e isso me preocupa. Não defendo que o sistema seja totalmente desregulado. Acho, por exemplo, que as crises na Malásia, Indonésia, Tailândia e Coréia foram decorrentes de falta de controles.

Emprestaram dinheiro sem as necessárias salvaguardas. O ministro piscava e os banqueiros achavam que era uma garantia. Podia ser um tique, um defeito físico no olho do ministro. Isso não é salvaguarda para o sistema financeiro. Eu me preocupo com sinais desse tipo.

No início dos anos 80, eu dizia que o dinheiro americano era essencial pra lubrificar as engrenagens da economia mundial mas que ao mesmo tempo, quanto mais dinheiro americano pelo mundo, maior era o risco de uma crise financeira. Mas isso eram outros tempos. Isso era quando os EUA tinham dois déficits enormes: o fiscal e o da balança comercial, quando o ouro chegou a 800 dólares a onça e quando nós estávamos sendo pesadamente financiados por dinheiro de fora.

Os deficits acumulados deixaram os EUA como os grandes devedores do planeta. A divida publica América chegou a ser de 5,3 trilhões de dólares e os japoneses de repente começaram a vender os títulos to tesouro americanos. Na verdade, o déficit fiscal persistiu por muito tempo em consequência da taxa de juro muito alta que foi usada para controlar a inflação americana da segunda metade dos anos 70. Mas não se pode menosprezar o fato de que a taxa de juro americana hoje está baixa e que isso tem propiciado um crescimento espetacular da economia, o que ajuda a resolver problemas acumulados.

Meu pai era um socialista. Mas eu sou um capitalista, é claro. Nesse sentido eu não o segui. Mas ele era também um humanista, um crente na igualdade dos homens, na igualdade entre homens e mulheres, entre as raças. Nisso eu o copio. E copio minha mãe também: ela foi uma das primeiras ativistas do movimento pela igualdade das mulheres, e eu me orgulho de ter sido um dos autores da proposta de eliminar a proibição prática que havia contra a presença de mulheres no pregão da CME.

* Por Leo Melamed, imigrante polonês que chegou ao Estados Unidos em 1941. É ex-chairman da Chicago Mercantile Future, a bolsa de mercados futuros de Chicago.

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